terça-feira, 30 de setembro de 2008

Philip Roth nas Escadarias

Ao sair da biblioteca com o volume que falava sobre as teorias de Portnoy a respeito das perturbações causadas pela luta interna entre os fortes impulsos éticos e altruísticos e os anseios sexuais e perversos, ele pensou que já tinha tudo de que precisava em mãos. Faltava encontrar a garota com quem pudesse conversar o tipo de conversa de alguém como Portnoy. Sabia que o tema do livro (as fantasias de exibicionismo, voyeurismo, fetichismo, auto-erotismo), por si só, não lhe traria nenhum tipo de satisfação sexual imediata, mas mesmo assim ele precisava romper com o sentimento de culpa, temor, a certeza kafkaniana de punição. Precisava falar de uma vez por todas com ela. De modo que colocou o livro embaixo do braço e caminhou em direção às escadarias da universidade.
Era um romance de Philip Roth, sua última cartada, antes de o fantasma sair de cena.
Esperou a moça da biblioteca durante todo o restante do expediente. Escorado na parede, ele olhava a porta de saída de tempos em tempos; não queria perdê-la, apesar de que subindo as escadas sempre tinha algo em movimento a lhe perturbar a concentração. Então ele resolveu abrir o livro e fixar-se na leitura, descansando seus olhos de gavião, os olhos de quem cuida a presa e repara no predador. Folheou as primeiras páginas e ficou lendo por longas horas.
Na balbúrdia da saída, não percebeu o esbarrão, nem o oi¸ nem a pergunta (já está lendo o livro?), ele não percebeu nada. Adiante, em outras escadarias, seus olhos o levavam para outros ruídos.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Philip Roth na Biblioteca

Ao aproximar-se da estante e abrir o livro que na primeira página falava das teorias de Portnoy sobre os distúrbios caracterizados pelos choque entre os fortes impulsos éticos e altruísticos e os anseios sexuais e perversos, ele pensou que já tinha um assunto para conversar com a bibliotecária. Sabia que o tema do livro (as fantasias de exibicionismo, voyeurismo, fetichismo, auto-erotismo) e tudo que pudesse lhe causar a leitura do livro não lhe trariam satisfação sexual alguma, mas ele precisava romper com os avassaladores sentimentos de culpa e temor de punição. Precisava falar de uma vez por todas com ela. Apanhou o livro e caminhou em direção ao balcão de retirada.
Era um romance de Philip Roth e estava na estante da Psicologia.
Ao parar diante da moça da biblioteca, ele já tinha todo o discurso preparado. Tinha em mãos um bom assunto (o livro fora do lugar), era só iniciar a conversa. Mas quando os olhos dela encontraram os seus e a pergunta (vai levar?) quebrou toda a seqüência decorada e trouxe de volta todo o temor, ele só conseguiu gaguejar algumas palavras entrecortadas, ditou o número de sua matrícula na universidade, retirou o livro e foi embora.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Philip Roth na Psicologia

Na abertura do livro o autor falou de um certo Alexander Portnoy e contou que tinha um distúrbio em que fortes impulsos éticos e altruísticos se apresentavam em perpétua luta com extremados anseios sexuais, frequentemente de natureza perversa. Escreveu ainda que nessas situações são abuntantes os atos de exibicionismo, voyeurismo, fetichismo, auto-erotismo, mas que em conseqüência disso (ou por isso) a fantasia do leitor (ou do paciente) faz com que esses atos não resultem em genuína satisfação sexual, mas antes em avassaladores sentimentos de culpa e temor de punição. Disse, mas o leitor, parado e incrédulo, não leu.
Era um romance de Philip Roth e estava na estante errada.
Então ele apanhou o exemplar, olhou para todos os lados, colocou entre um manual e outro e caminhou em direção ao balcão da biblioteca. Retirou o livro e depois foi embora.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Os íncubos caminhos

RELATO

Comecei isto tudo há exatos dois anos como alguém que se deita sobre algo com a intenção de melhor compreender a complexidade do mundo ao seu redor. Creio que muito pouco compreendi sobre o mundo: as pessoas ainda me surpreendem e acredito que no dia em que perder essa capacidade de viver os meus reflexos diante do outro eu paro de escrever. Até lá, as pessoas continuarão alimentando o meu sonho de compreender os absurdos cotidianos. Pois de tudo que me aconteceu até aqui só posso dizer – e com relativa calma – que minha perplexidade diante do mundo só aumentou. Nos seus íncubos caminhos, os pequenos eventos ainda me chocam, as pessoas continuam agonizando em sua loucura, e cada vez mais eu vejo essa vontade que temos de continuar vivos.
Sobreviver demora.

Fico com a impressão, enfim, de que a idéia inicial deste projeto era somente esta: a de um mergulho no desconhecido das coisas; uma viagem sem volta ao mundo do insólito e do inusitado; um lento caminhar rumo aos desvãos da memória, buscando aqui e ali, captar um pouco da essência afetiva do mundo e das coisas... E apesar de tudo (e de qualquer opinião em contrário), continuo a fixar-me no inevitável:
Eu sou uma pergunta.