quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O novo recorde

Sentado na pequena mesa de seu conjugado, Carlos folheia com verdadeiro interesse a última edição do “Livro dos Recordes” que lhe chegou hoje. Com paciência de descobridor, ele vira cada página, e a cada página vê a infinidade de instâncias inúteis e inacabadas em que pode se transformar a vida de uma pessoa na busca de um novo recorde. Mas não liga, por um minuto ele esquece – já virou a página. Termina, olha a estante, admira sua coleção. Levanta e deposita o volume ao lado dos outros. No caminho, respira o pouco que resta do ar viciado do apartamento de solteiro, janelas fechadas, longe dos curiosos. Olha o livro mais uma vez e dá um suspiro: “O ser humano surpreende”, diz em voz alta para si mesmo; ele, o único morador desse pequeno apartamento de periferia, sala-quarto-cozinha; a essa hora, o único morador acordado num raio de dez blocos de apartamentos.
É nesse momento que perceber que já é a 54ª edição do famoso livro que adquire todo ano. E é quase um recorde. Todas as noites, antes de dormir, ele acaricia a sua coleção. Dormir ao som das explosões de novas marcas. Cada noite, uma noite.
Então ele apaga a luz, caminha os olhos pelas sombras do apartamento, entra no quarto, retira os sapatos (mas não a importância das coisas) e deita vestido. Longo tempo ainda espia a ponta da estante que enxerga ali do quarto. Fica imaginando o seu nome estampado na edição do ano que vem.
Acordado, ele sonha com o novo recorde.