terça-feira, 17 de abril de 2012

Ministério dos comprimidos

O prédio, uma organização.
Andares, divisões, compartimentos, seções.
Na seção, gavetas. Nas gavetas, rótulos. Nos rótulos, a certeza: o ministério estava doente. Um prédio de vinte andares, corredores intermináveis, salas fechadas e sem luz, gavetas, rótulos, incertezas. De quem virá o próximo comando ou anomalia? Impossível saber, assim é no Ministério dos Comprimidos.
São muitos.
Estão em todas as seções desta repartição: são salas apinhadas de velhos móveis em que servidores carcomidos pelo tempo sentam em cadeiras de pouco ou nenhum estofado, e de lá, mais ou menos de seis em seis horas abrem gavetas e delas retiram os frascos e comprimidos.
Ou seriam oprimidos?
Poucos, muitos?
Quem se importa?
E sabe-se agora: não há nenhuma explicação médica razoável para isso... Mas o que é “razoável” num lugar em que se vive sob o medo da Idade das Trevas, ainda que tudo esteja muito iluminado pelo tom gasto e amarelado das luzes florescentes? Vai saber...
Quem sabe, calou. Quem calou, tem gavetas. Nas gavetas, rótulos, fugas, comprimidos, subterfúgios enfim.
Ali, ao lado, neste mesmo instante, observo: é mais um que abre a gaveta.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Dr. Okey

Impossível alguém imaginar aquilo. Em qualquer lugar, menos ali – no meio da palestra? Era o Dr. Okey, o Dr. Enjoy, o meu enjoo, aquele almoço nu às quatro da tarde de uma segunda-feira indecente. William Bubboughs na cabeça, e na cabeça poucos espaço para novas ideias.
No púlpito, a verborragia dos esclarecimentos estratégicos daquele senhor que de dois em dois minutos dizia:
– Okey, pessoal?
Estávamos irritados, a garota da terceira repartição ao meu lado, essa cujo nome Vânia era; irritados porque as frequentes interrupções do Dr. Tudo Bem impedi.
Virei para o banco do outro lado:
– Tudo bem um saco, sussurrei para Valmira Galina, a musa do quarto andar.
Entre as duas, a minha concentração tropeçava no compasso da exposição do Professor Projeto, ora aqui, ora acolá, ele falava, okey, pessoal?, apontava, okey, turma?, pedia a nossa atenção, pessoal, faz sentido?; enquanto à minha frente um desses que exaltam a organização acima de tudo me pediu silêncio. Mas como podem exigir audiência, se não há o mínimo de coerência? E justo agora? Quanto eu avançava a olhos largos pelos ângulos escusos do decote da minha colega.... a da poltrona da frente. A mesma que agora pouquinho virou-se com uma senhora cara de alguém sem meias-palavras.
A tarde avança.
E eu era um lixo em termos planejamento.
Okey?