quarta-feira, 30 de maio de 2012

Laje fascista

Sempre existe um chato na piscina – eis o único refluxo de quem pretende ficar uma porção de dias nessa estação de veraneio refri, água, cerveja. invariavelmente me sento aqui às dezoito do pré-anoitecer. Hoje. Hoje é dia de outro tipo de inconveniência: o exibicionista etílico de plantão. O copo vem à mão, e ali está ele, aos rasgos de um palavrear que se ergue torto à minha frente, tentando encantar o desencantado do Piraí... Ele, espelho do seu próprio reflexo, mais absorto e aplicado em costurar teorias e apresentações, ao acaso, mas é um acaso forçado e tem o tom falso do empreendedor imobiliário, no caso, da construção de lajes.
Digno em sua empáfia, esverdeada pelos calos do esforço próprio, a sintaxe arrevesada de colono que venceu na vida pelo trabalho duro, ele é um digno máximo cabal lustroso e chato – suas galochas de convencimento encharcam este piso de ardósia – e ele não para de falar.
Negócios. Circunstâncias. Investimentos.
Eu, eu, eu.
A máquina de falar à minha frente pedra lisa, chata, de grandes dimensões é uma indústria fascista de dejetos verbais pré-moldados. O sujeito é bom quando o assunto é conglomerados, e para um punhado de alguns que estão ao nosso redor, a ouvir o discurso inacabado de um sujeito que paga seus impostos, ele representa para mim um saco de lixo de ideias populistas, travestidas, aqui e ali, de iniciativa privada parasitária. Seu único produto: vende lajes e boa esperança; sorrisos e a melhor cidade do país, esse Bom Princípio sem fim. Mas no instante em que escapa sua frase e escorrega para as fraldas plásticas da política, daí estamos no Brasil, temos prisões e porões úmidos, e o ano é 1937. Tudo tem um quê de seu reacionarismo....
Conhecidos. Privilégios. Influências.
Falou de prefeitos e falcatruas. De amigos e providências. E tudo estava a cheirar um pouco como os grandes rachas nacionais dos anos 1950, depois presidentes e juntas militares,  transamazônicas e desvios de qualquer coisa já não tão pública assim. Falou do passado, da façanha dos primeiros imigrantes. Lindos olhos azuis a sua filha. De orgulho e alto faturamento. Tem namorado a menina? De altos valores na bolsa e cinta elástica na calça de linho; notas perdidas sobre outros regimes e lugares de ostensiva opressão Esses cubanos, não é meu senhor? Falou ainda de assentos garantidos e de um certo repertório tributário decorado - a choradeira do empresariado nacional. Tudo igual e repetido ao outro cara de ontem, o dos charutos e porcelana chinesa; hoje ele, todo padrão padronizado, sem falha ou rupturas – como as lajes por ele produzidas em série, lá na sua indústria, cidade pequena, orgulho nacional, agora aqui, sentado à minha frente.
Ele, o chato da laje.
A laje fascista.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Tempo

Quinze minutos para escolher a cor do calção; dez para decidir a combinação camisa-meia; e mais cinco para optar pelo melhor tênis. Perde-se, ainda, outro tanto para encontrar o relógio, o aparelhinho de som, o boné, e sabe-se-lá mais o quê.... Depois serão 15 minutos cravados de caminhada – e o resto da tarde no sofá.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Canetas

Eu poderia falar durante 30 minutos sobe canetas... e não trabalhar em nenhuma indústria ou representante comercial do gênero.
Eu poderia entrar na sala do bonitão do almoxarifado e ficar horas conversando sobre os olhos verdes dele, mas preferi falar sobre canetas naquele dia.
Ali ficamos... parados em uma pergunta que não vinha.
Ele, na sua baixa inteligência, tentando compreender o sentido de uma conversa que só existia dentro de mim; eu, a trilhar campos e paisagens, lugares e encontros, esforços íntimos a garantir dentro de mim um futuro relacionamento com aquele ser de músculos e formas (e eu deveria estar falando com ele sobre futebol e mulheres, os velhos códigos masculinos...).
Eu a gaguejar materiais e canetas, preferências e cores, tentando cada vez mais uma aproximação com o homem de ferro à minha frente – e à minha frente prateleiras mal iluminadas de oportunidades.
Pedi para verificar o fluxo dos materiais de expedientes, o estoque de qualquer produto, assuntos que invariavelmente terminam em minha obsessão:
E enquanto o homem perplexo diante de mim esforçava-se em parecer tranquilo diante do chefe de voz dura ao seu redor, eu mantinha firme meu rumo incerto de aproximação.
Pedi uma caneta.
Veio logo uma caixa inteira; ao passar-me o pedido, houve desequilíbrio de sentido e as esferográficas restaram espalhadas pelo chão.
Abaixamos, juntos.
E quando a mão... foi só então que ele percebeu.
Já era tarde.