segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Esperança


“Tristeza não tem fim, felicidade sim.”

Vinícius de Morais

Enquanto chovia como nunca dantes nesta terra, Ele me dizia que tudo é uma questão de crença emocional na possibilidade de resultados positivos relacionados com eventos e circunstâncias da vida pessoal. Ele era o senhor de barba ensopada. Chamam-no de O Guru. Estávamos em Seu Templo, e era Final de Ano, época em que as pessoas costumam ficar mais sensíveis. E eu estava sensível, sim. Entre os ouvintes, feito ovelha andando em rebanho, eu estava com Sinara – sim, e eu era o cara mais esperançoso e sensível do mundo.

Aliás, esperança era a palavra que eu buscava ali, no Templo Sagrado.

Sensível a ponto de enxergar o desejo ao meu lado. Sinara. A garota que conhecera no retiro espiritual do ano anterior, a mesma que naquela ocasião me indicara o caminho da perseverança, ao dizer que a paz estava dentro mim. Quase um ano depois, nós aqui outra vez, acreditando que algo é possível mesmo quando há indicações em contrário.

Eu olhava o Messias, e nos intervalos de sua fala mansa e empolada, eu avistava pelo canto do olho a transparência branca da blusa de Sinara. Molhada, molhadinha, seus bicos eram a fonte dos meus pensamentos impuros. Eu diante do Mestre, a pensar, nas esquinas de insanidade, que esse sentimento que nascia dentro de mim talvez estivesse relacionado a algum tipo de religião. Algo que eu queria muito: atribuir algum significado à falsa fé no Messias... mesmo fosse Natal, mesmo sem família, crença ou religião, porque a única coisa que me interessava naquele momento de reflexão coletiva eram os contornos de Sinara.

A blusa, a chuva, os bicos...

Foi envolto em tais pensamentos, aí pelas três da tarde e quando o manto sagrado da chuva se ia embora que alguém bateu no meu ombro para me acordar e indicar qual seria ali a minha tarefa. Falou em sacrifício – e eu não entendi (ou não quis) – mas o fato é que o ato consistia somente em nada fazer nos próximos dez dias de retiro (sei, não falei, mas estávamos isolados nas montanhas).

Eu pensando em Sinara e nossos destinos cruzados naquele retiro.

A lamentar que foi exatamente a minha esperança na salvação quando enfim chegasse o fim dos tempos que me levou a Sinara e dela ao Messias e dele para esta penitência.

Esta: isolado de tudo, bem perto e bem longe dela.

Realmente não sei o sentido da palavra esperança.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Curitibanos



Valeu, J.P.Cuenca


A viagem, em pedaços.
Caberia a mim o primeiro turno do revezamento à direção. Saímos às 4 horas da manhã e tomados de sono e muita vontade de deixar para trás a solidão de Curitiba, rumamos em direção ao Centro-Oeste  pelas linhas da BR 277. Íamos na direção contrária a tudo. O pesadelo de anos começava a ficar para trás, perdido na memória daqueles tempos em que não consegui estabelecer nenhum tipo de contato humano com a cidade do vampiro das almas reacionárias.
Ruas limpas, lotes de passageiros amontoados dentro de belos ônibus articulados a distribuir as pessoas pelas largas avenidas, e nas calçadas espigões e pescoços brancos ainda ontem desfilavam a limpeza e a empáfia de ser curitibano.
Nós, pé fundo na estrada.
Nós, fugitivos.
E na estrada, aí pela 5 da matina, cruzando em meio a vilas e favelas de que eu nunca tivera notícia antes – sim, os curitibanos escondiam bem isso – à minha frente vi carros brecarem; em seguida arrancavam. Nervosos pneus se ouviam.
Um, dois, foram quatro, depois contei sete, veio o oitavo, o meu já era o décimo-primeiro carro. Outros passavam, ninguém parava. Batida, pancada, solavanco. Havia passado por cima de algo, de volume e forma indefinidos. Agonia e pé no freio.

No acostamento, ainda grudado à lataria do automóvel, eu saíra do veículo para observar não só o ressoar incessante dos meus companheiros de viagens – estariam eles mortos –, mas também percebia lá do outro lado da estrada o brinde de um céu limpo a surgir em tons encarnados na grama fria dos campos de cima da serra, enquanto, próximo, no chão da pista molhada em outro vermelho intenso, restos de um corpo espatifado pelos nove ou dez carros que me antecederam.
Os curitibanos deixavam mais outro coração solitário.
Um corpo.

E eu, ainda brincando com a sorte, esperando sirenes, explicações, perplexidades que já não me pertenciam... que já não me interessavam.
Eu, um curitibano.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Beijo ato

Feito um beijo encontro
Ela
Alça
Dela

Movimento desprendimento
(depois arrependimento)

Isso ela disse
Disse pouco
E foi me puxando, no ato
No fato
No quarto

Eis os fatos