DIÁRIO DO CONFINAMENTO – DIA # 75
Ao acordar hoje cedo, meu primeiro
pensamento foi sobre essas madrugadas, castigadas pelo frio, menos de
8 graus. Como deve ter sido a exatos 53 anos. Na véspera daquele
dia, minha mãe estava angustiada porque o meu pai primeiro não
chegava; depois chegou e não terminava o banho e ele tinha que
levá-la ao hospital. Ela ganharia seu primeiro filho aqui no Sul do
Brasil na madrugada seguinte, dois de junho. Só não tinha como
saber que seria no chão de um hospital, piso gélido, tal a
urgência. Mais ou menos como a água que busco agora na pia para
lavar o rosto. Talvez aquela noite estivesse ainda mais gelada para
uma nordestina de 25 anos pouco acostumada ao frio. Lembrar disso foi
importante hoje. Impossível não pensar nas milhares de pessoas que
deixaram suas terras para trás, como fez minha mãe. Penso nisso
porque ontem terminei “Caderno de memórias coloniais”, alguém
que precisou abandonar o lugar onde nasceu. Situação parecida viveu
minha mãe: veio do Nordeste para ganhar um filho neste frio de
lascar. Sempre que posso, pergunto a ela sobre aquela madrugada.
Minha mãe gosta de falar dessas e de outras dificuldades: a
mamadeira que esfriava, os banhos que me dava no tanque de roupas, em
pleno inverno, a vizinha gritando na cerca, “Salomé, vai
encarangar esse guri”, a minha mãe decerto perguntando o que era
encarangar, enquanto a água da torneira corria gelada nas costinhas
daquele bebê que um dia eu fui.
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