terça-feira, 2 de junho de 2020

DIÁRIO DO CONFINAMENTO – DIA # 75

Ao acordar hoje cedo, meu primeiro pensamento foi sobre essas madrugadas, castigadas pelo frio, menos de 8 graus. Como deve ter sido a exatos 53 anos. Na véspera daquele dia, minha mãe estava angustiada porque o meu pai primeiro não chegava; depois chegou e não terminava o banho e ele tinha que levá-la ao hospital. Ela ganharia seu primeiro filho aqui no Sul do Brasil na madrugada seguinte, dois de junho. Só não tinha como saber que seria no chão de um hospital, piso gélido, tal a urgência. Mais ou menos como a água que busco agora na pia para lavar o rosto. Talvez aquela noite estivesse ainda mais gelada para uma nordestina de 25 anos pouco acostumada ao frio. Lembrar disso foi importante hoje. Impossível não pensar nas milhares de pessoas que deixaram suas terras para trás, como fez minha mãe. Penso nisso porque ontem terminei “Caderno de memórias coloniais”, alguém que precisou abandonar o lugar onde nasceu. Situação parecida viveu minha mãe: veio do Nordeste para ganhar um filho neste frio de lascar. Sempre que posso, pergunto a ela sobre aquela madrugada. Minha mãe gosta de falar dessas e de outras dificuldades: a mamadeira que esfriava, os banhos que me dava no tanque de roupas, em pleno inverno, a vizinha gritando na cerca, “Salomé, vai encarangar esse guri”, a minha mãe decerto perguntando o que era encarangar, enquanto a água da torneira corria gelada nas costinhas daquele bebê que um dia eu fui.

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