O Ruído
Trindade levantou de novo. Como alguém pode trabalhar dessa maneira, se o colega levanta de quinze em quinze minutos? Atrapalha, perco o raciocínio, irrita. Desconcentra quem está na sala – perdi o trabalho e a tarde e não me encontro mais. Metade da empresa sabe que ele é assim, mas ninguém dá bola – depositaram aqui como um lixo atômico – e não sabem o que fazer com ele. A verdade é que ninguém quer trabalhar com o velho funcionário.
Agora voltou, veio vindo de mansinho, apanhou o trabalho que deixou na minha mesa, um sorriso peçonhento, o protocolo fixo no olhar. Vejo que agora vai acontecer. É a hora do Trindade remexer os papéis, iniciar os movimentos esperados, todos aqueles “ais” e “ufas”, a coleção de rangidos que tanto me incomoda. Onde terei deixado o relatório? Aperto a testa com os dedos, não consigo lembrar. Fecho os olhos em meus papéis quando ele inicia a série completa de exercícios irritantes. O ruído prossegue. Lembra um roedor, algum rastejante, tem o pescoço encurvado, as mãos escondidas, o jeito matreiro, ladino, me olha desconfiado. Vejo que ele crava suas compridas unhas em todo tipo de superfície. Uma angústia, dói na alma. Perco a tarde nisso. Tenho vontade de esganar o Trindade.
O ruído aumenta, insuportável. Mas é diferente agora o barulho que ele faz. Com isso, matreiro, ele some, aparece noutro lugar. Levanto os olhos por sobre a pilha de papéis acumulados – os prazos do chefe estão perdidos na montanha de trabalho amarelado que se ergue sobre a minha mesa – e por conta disso a minha comunicação com a chefia vive o espasmo de outros ruídos. Tudo porque o sujeito inquieto, sentado ali ao meu lado, não pára. Ergo os ouvidos, mas não consigo decifrar o que acontece na mesa ao lado. Que estará fazendo o animal traiçoeiro? Decido ver melhor – sou eu quem levanta. Chego às suas costas. Sentado, ele está roendo papéis, e pelo timbre, reconheço: são os documentos importantes da diretoria. O ruído agrava o meu desconforto, o papel rasgado arranha os meus ouvidos, cubro-os com as mãos, paro diante do medo. Dou um passo para trás, quando vejo melhor a cena. É o relatório.
Ele está roendo meu trabalho. O trabalho de uma tarde inteira.
Agora voltou, veio vindo de mansinho, apanhou o trabalho que deixou na minha mesa, um sorriso peçonhento, o protocolo fixo no olhar. Vejo que agora vai acontecer. É a hora do Trindade remexer os papéis, iniciar os movimentos esperados, todos aqueles “ais” e “ufas”, a coleção de rangidos que tanto me incomoda. Onde terei deixado o relatório? Aperto a testa com os dedos, não consigo lembrar. Fecho os olhos em meus papéis quando ele inicia a série completa de exercícios irritantes. O ruído prossegue. Lembra um roedor, algum rastejante, tem o pescoço encurvado, as mãos escondidas, o jeito matreiro, ladino, me olha desconfiado. Vejo que ele crava suas compridas unhas em todo tipo de superfície. Uma angústia, dói na alma. Perco a tarde nisso. Tenho vontade de esganar o Trindade.
O ruído aumenta, insuportável. Mas é diferente agora o barulho que ele faz. Com isso, matreiro, ele some, aparece noutro lugar. Levanto os olhos por sobre a pilha de papéis acumulados – os prazos do chefe estão perdidos na montanha de trabalho amarelado que se ergue sobre a minha mesa – e por conta disso a minha comunicação com a chefia vive o espasmo de outros ruídos. Tudo porque o sujeito inquieto, sentado ali ao meu lado, não pára. Ergo os ouvidos, mas não consigo decifrar o que acontece na mesa ao lado. Que estará fazendo o animal traiçoeiro? Decido ver melhor – sou eu quem levanta. Chego às suas costas. Sentado, ele está roendo papéis, e pelo timbre, reconheço: são os documentos importantes da diretoria. O ruído agrava o meu desconforto, o papel rasgado arranha os meus ouvidos, cubro-os com as mãos, paro diante do medo. Dou um passo para trás, quando vejo melhor a cena. É o relatório.
Ele está roendo meu trabalho. O trabalho de uma tarde inteira.
2 ComentÁrios:
Cara, muito bom este texto. Cada vez mais me encanto por contos/crônicas que inserem na ação algo absurdo que acaba funcionando como metáfora. É uma torção poética interessante, que torna a narrativa mais rica.
Feliz Aniversário e muitos textos de vida!
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