terça-feira, 5 de setembro de 2006

O Show da Vida


Qual a validade de uma escrita que tente abordar um filme e nela o aprisionar? A crítica cinematográfica, quero assim dizer. Que necessidade temos dessa urgência de colocar a obra pictória no papel, se um filme é um acontecimento feito de sensações? Impossível, quero crer. E é quando nos deparamos com arranjos cênicos como "O Show da Vida" ("The Jimmy Show") que nos encontramos diante do impasse: como sintetizar uma obra se ela se dilui e flui como a vida? Mesmo assim, assim:
Jimmy O’Brian tem um problema. Ele mora com a vó em uma casa infestada de cupins. A mulher e a filha foram embora. O dinheiro não dá nem para o remédio da anciã. Abandonou uma promissora carreira de inventor de torradeiras de salsicha. Trocou de (sub)emprego umas tantas vezes nos últimos anos, nos quais ou cometia pequenos furtos, ou ironizava os clientes. Não tem amigos, quer dizer... ele não tem mais ninguém porque sua avó irá morrer no dia em que seu velho carro pifar. Esta é a vida de Jimmy, um menino triste que cresceu e hoje tem um sonho: quer ser comediante, desses que se apresentam em público. Mas ele não tem vocação, e é por isso que se ele só consegue espaço para se apresentar na "terça dos iniciantes", num clube ordinário da cidade.
A matéria do sonho de Jimmy é alcançar a fama, e é por isso que ele não consegue dinheiro para o remédio da avó, não dá carinho e nem afeto à esposa e à filha, perde o amigo do emprego, o emprego, briga com todos, inclusive com a platéia de seu show.
O show de Jimmy é contar, todas as noites, as peripécias do seu cotidiano e com isso não tirar nem uma risada da platéia – só a indignação. Mas ele vai levando, e quanto mais se apresenta mais vai dissecando seu passado, seus medos, suas dúvidas, sua trajetória e as coisas que deram errado no caminho. Jimmy é um cara escalando uma montanha de gelo que dá chute em si mesmo, que a certa altura no "Clube da Tragédia", pergunta a si: "qual o meu problema?" E diz para si mesmo: "Estou cansado de avaliar a vida e acabar vazio". "Cansado de estar cansado." E concluí: "Isso não é engraçado".
O sonho de Jimmy acaba misturando-se com o fluxo da narrativa dos seus problemas, com o seu cotidiano trivial de amarguras e frustração, e é aí, exatamente aí nesse ponto que o filme me parece incrível. Como algo inacreditável, não crível, o diretor-ator Frank Whaley faz de uma história simples – o problema de Jimmy – a matéria do sonho de todos aqueles que, tendo a felicidade à sua frente, deixam ela escapar na busca de um sonho.
Um filme sobre a vida.

(O Show da Vida, "The Jimmy Show", EUA/2001, de Frank Whaley)

2 ComentÁrios:

Blogger Gláucia said...

Oi, Ed.
Que bom que resolveste fazer o blog. É um ponto de encontro muito legal. Vais gostar.
Claro que pode linkar, respondendo tua pergunta.
Também tenho que atualizar meus links lá no MI. Aí vou colocar um pra cá. Pode ser?
Bjs

sexta-feira, 08 setembro, 2006  
Blogger Edgar Aristimunho said...

Glau,
Estou acreditando que uma certa afinidade vai rolar entre as nossas postagens, idéias, propósitos, lirismo, e ainda que a aparente distância de nosso lirismo textual faça do teu blog algo mais agradável de ser lido, e o meu uma pedra dura a ser trinchada mentalmente, penso que tudo é matéria do sonho.
Por que não vivê-la?
Bjs,
Ed.

sexta-feira, 08 setembro, 2006  

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