quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Rápido, ela

Cruzou, cabeça erguida, o canto do olho virado, as ideias um transtorno rítmico de asas e inquietações. No mesmo instante alguém, do outro lado da praça, movia braços e sorrisos, alimentava pombas. Lentas, elas se aproximavam e a medida que os grãos de milhos eram jogados ao chão, ficavam rápidas, rasteiras, aceleradas, a agonia do gemido abafado num desespero de fome. Também ele era um faminto, abraçado a uma fome antiga, o sonho de voar. A mesma fome que o fez vencer a longa quadra, fugir, correr, porque de alguma maneira era preciso afastar-se depressa de tudo aquilo; dela; de seus atos, impropérios, pedidos. O teatro de uma separação anunciada. Mas por que afinal elas sempre pedem mais? Difícil entender as pombas.
Venceu a extensão de uma quadra, virou-se: o conjunto de árvores foi ficando para trás, a praça já era um voo doentio das aves em fuga, porque se não há mais alimento nem promessas – alguém disse ao seu lado – elas fogem.
Endireitou o passo, alinhou-se na certeza: Tenho que me recompor rápido, pra não pensar demais.
Isto foi ele, à luz quente daquele dia seco, sem lágrimas ou apelações.
Isso escreveria ela ao chegar em casa sozinha, e rápida, a caneta bicando a noite, o copo mordendo as lembranças, o papel como único alimento.

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