Dona Erondina
A moradora do 609, Dona Erondina, não me respondeu ao bom-dia! que lhe lancei, cheio de esclamações e outras falsas simpatias, quando agora a pouco nos encontramos no gargalo do elevador social do edifício. Confesso que fiquei triste quando chegamos ao primeiro piso, a porta do aparelho se abriu, e ela desceu, cega e decidida, resmungando em busca do pão matinal na padaria da esquina. Há meses sua rotina é o meu encanto (ela nem sabe), e no entanto ela nunca me desejou um bom dia. O ser humano... neste caso, a Dona Erondina. É possível que ela também esteja triste, saber... (Quem sabe?) Talvez seja por isso que ela nunca me respondeu – fico com a impressão de que nem tenha ouvido o meu bom-dia mecânico, perdida entre os farelos profundos do dia anterior e uma reflexão aguda, matinal e peremptória sobre a solidão e a tristeza. (Será que Dona Erondina pensa nisso?) Dona Erondina provavelmente não se chama Erondina e nem sequer deve ser Dona de coisa nenhuma, pelo menos segundo o meu catálogo de escolhas. Mas há que dar nomes até às coisas, e a coisa da Dona Erondina já deve andar há anos sem ver uma flor de pessegueiro ou pisar a terra molhada. Se calhar é capaz de haver um motivo para Dona Erondina estar triste. O gato morreu? A televisão pifou? Seu Osvaldo faleceu (provavelmente não se chame Osvaldo, nem tenha morrido, nunca tenha existido). O filho nunca mais ligou? O elevador quase fechou a porta sozinho. Lixo espalhado no chão. O vizinho de andar sempre bate a porta quando sai de casa. Crianças gritam, pulam, infernizam. Ainda não trocaram o zelador? A displicência do Seu Joaquim que fica a conversar pelas escadas com as empregadinhas... Dona Erondina está triste, e não se sabe por quê. Talvez faça tempo que ela não vê morangos silvestres, e tudo em sua vida já esteja mofado. Quem sabe?
Quem sabe também o porquê de estar atrás dela, nesta manhã silenciosa, ruas vazias, passos estreitos, a mão no bolso, o volume, a vontade, a saudade, a sina. A minha.
Está na hora de mudar de bairro.
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