segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Curitibanos



Valeu, J.P.Cuenca


A viagem, em pedaços.
Caberia a mim o primeiro turno do revezamento à direção. Saímos às 4 horas da manhã e tomados de sono e muita vontade de deixar para trás a solidão de Curitiba, rumamos em direção ao Centro-Oeste  pelas linhas da BR 277. Íamos na direção contrária a tudo. O pesadelo de anos começava a ficar para trás, perdido na memória daqueles tempos em que não consegui estabelecer nenhum tipo de contato humano com a cidade do vampiro das almas reacionárias.
Ruas limpas, lotes de passageiros amontoados dentro de belos ônibus articulados a distribuir as pessoas pelas largas avenidas, e nas calçadas espigões e pescoços brancos ainda ontem desfilavam a limpeza e a empáfia de ser curitibano.
Nós, pé fundo na estrada.
Nós, fugitivos.
E na estrada, aí pela 5 da matina, cruzando em meio a vilas e favelas de que eu nunca tivera notícia antes – sim, os curitibanos escondiam bem isso – à minha frente vi carros brecarem; em seguida arrancavam. Nervosos pneus se ouviam.
Um, dois, foram quatro, depois contei sete, veio o oitavo, o meu já era o décimo-primeiro carro. Outros passavam, ninguém parava. Batida, pancada, solavanco. Havia passado por cima de algo, de volume e forma indefinidos. Agonia e pé no freio.

No acostamento, ainda grudado à lataria do automóvel, eu saíra do veículo para observar não só o ressoar incessante dos meus companheiros de viagens – estariam eles mortos –, mas também percebia lá do outro lado da estrada o brinde de um céu limpo a surgir em tons encarnados na grama fria dos campos de cima da serra, enquanto, próximo, no chão da pista molhada em outro vermelho intenso, restos de um corpo espatifado pelos nove ou dez carros que me antecederam.
Os curitibanos deixavam mais outro coração solitário.
Um corpo.

E eu, ainda brincando com a sorte, esperando sirenes, explicações, perplexidades que já não me pertenciam... que já não me interessavam.
Eu, um curitibano.

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