Curitibanos
Valeu, J.P.Cuenca
A viagem, em pedaços.
Caberia a mim o primeiro turno do revezamento à direção.
Saímos às 4 horas da manhã e tomados de sono e muita vontade de deixar para
trás a solidão de Curitiba, rumamos em direção ao Centro-Oeste pelas linhas da BR 277. Íamos na direção
contrária a tudo. O pesadelo de anos começava a ficar para trás, perdido na
memória daqueles tempos em que não consegui estabelecer nenhum tipo de contato
humano com a cidade do vampiro das almas reacionárias.
Ruas limpas, lotes de passageiros amontoados dentro de
belos ônibus articulados a distribuir as pessoas pelas largas avenidas, e nas
calçadas espigões e pescoços brancos ainda ontem desfilavam a limpeza e a
empáfia de ser curitibano.
Nós, pé fundo na estrada.
Nós, fugitivos.
E na estrada, aí pela 5 da matina, cruzando em meio a vilas
e favelas de que eu nunca tivera notícia antes – sim, os curitibanos escondiam
bem isso – à minha frente vi carros brecarem; em seguida arrancavam. Nervosos
pneus se ouviam.
Um, dois, foram quatro, depois contei sete, veio o oitavo,
o meu já era o décimo-primeiro carro. Outros passavam, ninguém parava. Batida,
pancada, solavanco. Havia passado por cima de algo, de volume e forma
indefinidos. Agonia e pé no freio.
No acostamento, ainda grudado à lataria do automóvel, eu
saíra do veículo para observar não só o ressoar incessante dos meus
companheiros de viagens – estariam eles mortos –, mas também percebia lá do
outro lado da estrada o brinde de um céu limpo a surgir em tons encarnados na
grama fria dos campos de cima da serra, enquanto, próximo, no chão da pista
molhada em outro vermelho intenso, restos de um corpo espatifado pelos nove ou
dez carros que me antecederam.
Os curitibanos deixavam mais outro coração solitário.
Um corpo.
E eu, ainda brincando com a sorte, esperando sirenes,
explicações, perplexidades que já não me pertenciam... que já não me
interessavam.
Eu, um curitibano.
0 ComentÁrios:
Postar um comentário
<< Home