sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Roraima

A falta de sentido: no meio da tarde sentado entre mesas e labirintos desta sala repleta de documentos empoeirados e encravados no cerne puro de dezoito andares desta repartição pública de coisa nenhuma, aqui no extremo Sul do Brasil, e enquanto isso nos fones de ouvido estar escutando rádios apanhadas longe, no outro braço do país.
Esta: Rádio Roraima alguma coisa.
Sintonia estranha. Certo sotaque regional indefinido. Chiado. Notícias vulgares. Atropelo de vozes populares. O narrador. Grita e solta flechas contra os desalmados em opiniões carregadas de religiosidade excessiva. Uma língua estranha. Outro país? Mas ainda não estamos no mesmo continente? São quantas Guianas mesmo?
Corta.
Certo pastor no começo do ministério:
– Pague a água, a luz e o aluguel.
Fiquei na dúvida quem estava mandando ali. Se O Deus da Carnificina ou O Diabo do Cheque Especial. Duelo na mente de um pagão antes do fim.
O fim do mundo – e a indecência, a minha, de utilizar tantas horas públicas no desatino particular de uma satisfação com acento gospel. Era isto? Era só isto?
Só uma pergunta: falta muito ou já estamos na Venezuela?
Corta.
Dois cafés. Poucas certezas. Uma: a de que há no fundo o pó que raspo e me resta.  Afora, claro este cochilo entre letras hipotéticas e destinos processuais, tenho ainda três horas e meia de teclas e falsas racionalidades. E de música: das baladas e dos hinos. Que rádio é esta? Hoje estou chorando. Hoje vou mudar. Nada fiz, nem condenei ninguém – só meu dia. E também nada para fazer neste extremo austral do mundo e lá tanta gente passando fome. Sei ou sinto febre? Louvado seja Deus Nosso Senhor! Então aí pelas três da tarde eu me levanto para espanto geral dos que não me viam, saio. Não posso acreditar que estou no mundo só para ter pena do ser humano que nunca verei, nem aqui, nem serei. E mais incrédulo derrubo a xícara: todos olham a minha imprudência. Que passa. E o meu dia vai embora, as obrigações também. Tchau, a que ninguém responde. No ponto, o desencontro. Rua. Frio. Ausência do outro. Será que ela foi embora? Fecho o casaco. Em busca do meu lugar, a música dizia. De quem deixei. Subo na condução e ainda escutando a voz esganiçada do pastor.
Faz calor em Roraima?

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