Esperança
“Tristeza não tem fim, felicidade sim.”
Vinícius de
Morais
Enquanto chovia como
nunca dantes nesta terra, Ele me dizia que tudo é uma questão de
crença emocional na possibilidade de resultados positivos
relacionados com eventos e circunstâncias da vida pessoal. Ele era o
senhor de barba ensopada. Chamam-no de O Guru. Estávamos em Seu
Templo, e era Final de Ano, época em que as pessoas costumam ficar
mais sensíveis. E eu estava sensível, sim. Entre os ouvintes, feito
ovelha andando em rebanho, eu estava com Sinara – sim, e eu era o
cara mais esperançoso e sensível do mundo.
Aliás, esperança era
a palavra que eu buscava ali, no Templo Sagrado.
Sensível a ponto de
enxergar o desejo ao meu lado. Sinara. A garota que conhecera no
retiro espiritual do ano anterior, a mesma que naquela ocasião me
indicara o caminho da perseverança, ao dizer que a paz estava dentro
mim. Quase um ano depois, nós aqui outra vez, acreditando que algo é
possível mesmo quando há indicações em contrário.
Eu olhava o Messias, e
nos intervalos de sua fala mansa e empolada, eu avistava pelo canto
do olho a transparência branca da blusa de Sinara. Molhada,
molhadinha, seus bicos eram a fonte dos meus pensamentos impuros. Eu
diante do Mestre, a pensar, nas esquinas de insanidade, que esse
sentimento que nascia dentro de mim talvez estivesse relacionado a
algum tipo de religião. Algo que eu queria muito: atribuir algum
significado à falsa fé no Messias... mesmo fosse Natal, mesmo sem
família, crença ou religião, porque a única coisa que me
interessava naquele momento de reflexão coletiva eram os contornos
de Sinara.
A blusa, a chuva, os
bicos...
Foi envolto em tais
pensamentos, aí pelas três da tarde e quando o manto sagrado da
chuva se ia embora que alguém bateu no meu ombro para me acordar e
indicar qual seria ali a minha tarefa. Falou em sacrifício – e eu
não entendi (ou não quis) – mas o fato é que o ato consistia
somente em nada fazer nos próximos dez dias de retiro (sei, não
falei, mas estávamos isolados nas montanhas).
Eu pensando em Sinara e
nossos destinos cruzados naquele retiro.
A lamentar que foi
exatamente a minha esperança na salvação quando enfim chegasse o
fim dos tempos que me levou a Sinara e dela ao Messias e dele para
esta penitência.
Esta: isolado de tudo,
bem perto e bem longe dela.
Realmente não sei o
sentido da palavra esperança.
1 ComentÁrios:
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