O Teatro das Pausas
CRÔNICA ESPORTIVA DA SEMANA
“O seu abandono surgiu em plena realidade.”
Mãos Vazias, de Lúcio Cardoso
A crônica esportiva ainda não descobriu o futebol amador – esse negócio de jogar com a alma e os dentes uma vez por semana. Descobrisse e veria o quanto há de matéria-prima para preencher o jornal com matérias interessantes. Creio que ninguém acha “interessantes” matérias sobre o ex-goleiro que vende frangos, sobre a nova bola do campeonato brasileiro (que, curiosamente, será nova no campeonato do ano que vem) ou páginas e páginas, dia após dia, um mesmo assunto: a lesão no dedo minguinho do goleiro Edmar do Avaté F.C. Esta última “notícia”, tudo bem, é um exagero e está consagrada em um de meus contos sobre mundo do futebol; contudo, as duas anteriores são tão verídicas quanto desnecessárias. Observasse melhor o futebol amador e teria ali a crônica “especializada” um cabedal de matérias ocasionalmente pegando fogo. Não ficariam com as “Mãos Vazias” – aquele esgotamento emocional de que nos falava o escritor mineiro Lúcio Cardoso e que conduz ao vazio. A crônica esportiva não tem assunto. Este é o ponto. Vive o teatro do interlúdio – a falta de matéria – daí a constante “encheção de lingüiça” das páginas esportivas.
No futebol jogado nos campos da Coflob – a reunião semanal de alguns amigos em torno de um objetivo comum: jogar futebol, conversar sobre a vida, além de beber algumas cervejas – às vezes mais tempo de cerveja do que bola rolando – ali é diferente. Assunto não falta. E até a falta de futebol é assunto. Sim, ontem não jogamos, não teve jogo. Feriado, aquela coisa, estava muito frio, aquela outra coisa, dia para dormir o dia inteiro, a coisa aquela. Ninguém sai de casa. Só teatro – encenação – e aí surge a pergunta: “Quem joga?”. Não aparece um. Vivemos ontem, mais uma vez, o “teatro das pausas”, o compasso de espera para o que virá.
O jogo, contudo, muitas vezes é só isto: pausas. Não me refiro somente ao espaçamento dos jogos, os longos intervalos sem jogar devido ao impiedoso inverno gaúcho, pois a isso se somam também outros fatores tais como os feriados e algumas lesões no plantel. Refiro-me, sim, ao ritmo de jogo do nosso futebol às quintas-feiras. Por vezes “no ritmo lento de um funeral”; noutras “uma procissão de mortos”, uma verdadeira trilogia do terror, e se faço referência direta à bela narrativa de Ignácio de Loyola Brandão e ao filme de Luiz Sérgio Person é apenas para dizer que o futebol amador é assim mesmo: esteticamente grotesco. Na sua essência, portanto, é feito de agônicas pausas, que ora se manifestam nesses longos períodos de inatividade (circunstância esta que só agrava o retorno de alguns ao seu melhor futebol), ora se revelam durante os jogos, aquela espécie de fluxo narrativo tarkosvkiano com o qual alguns jogadores realizam suas jogadas. “O Sacrifício” de jogar um futebol recheado de firulas, de correr o tempo todo atrás da bola e fazer jogadas vazias de sentido e significações – quero dizer, a bola não rola, simplesmente isso, porque alguns abandonam a realidade do jogo antes do final da partida – abandonam a zaga, não marcam mais, param de correr ou de fazer gols. Inexplicavelmente, param de jogar. Daí os gols sofridos, o placar dilatado, a derrota. Uma paralisia cerebral momentânea.
“O seu abandono surgiu em plena realidade.”
Mãos Vazias, de Lúcio Cardoso
A crônica esportiva ainda não descobriu o futebol amador – esse negócio de jogar com a alma e os dentes uma vez por semana. Descobrisse e veria o quanto há de matéria-prima para preencher o jornal com matérias interessantes. Creio que ninguém acha “interessantes” matérias sobre o ex-goleiro que vende frangos, sobre a nova bola do campeonato brasileiro (que, curiosamente, será nova no campeonato do ano que vem) ou páginas e páginas, dia após dia, um mesmo assunto: a lesão no dedo minguinho do goleiro Edmar do Avaté F.C. Esta última “notícia”, tudo bem, é um exagero e está consagrada em um de meus contos sobre mundo do futebol; contudo, as duas anteriores são tão verídicas quanto desnecessárias. Observasse melhor o futebol amador e teria ali a crônica “especializada” um cabedal de matérias ocasionalmente pegando fogo. Não ficariam com as “Mãos Vazias” – aquele esgotamento emocional de que nos falava o escritor mineiro Lúcio Cardoso e que conduz ao vazio. A crônica esportiva não tem assunto. Este é o ponto. Vive o teatro do interlúdio – a falta de matéria – daí a constante “encheção de lingüiça” das páginas esportivas.
No futebol jogado nos campos da Coflob – a reunião semanal de alguns amigos em torno de um objetivo comum: jogar futebol, conversar sobre a vida, além de beber algumas cervejas – às vezes mais tempo de cerveja do que bola rolando – ali é diferente. Assunto não falta. E até a falta de futebol é assunto. Sim, ontem não jogamos, não teve jogo. Feriado, aquela coisa, estava muito frio, aquela outra coisa, dia para dormir o dia inteiro, a coisa aquela. Ninguém sai de casa. Só teatro – encenação – e aí surge a pergunta: “Quem joga?”. Não aparece um. Vivemos ontem, mais uma vez, o “teatro das pausas”, o compasso de espera para o que virá.
O jogo, contudo, muitas vezes é só isto: pausas. Não me refiro somente ao espaçamento dos jogos, os longos intervalos sem jogar devido ao impiedoso inverno gaúcho, pois a isso se somam também outros fatores tais como os feriados e algumas lesões no plantel. Refiro-me, sim, ao ritmo de jogo do nosso futebol às quintas-feiras. Por vezes “no ritmo lento de um funeral”; noutras “uma procissão de mortos”, uma verdadeira trilogia do terror, e se faço referência direta à bela narrativa de Ignácio de Loyola Brandão e ao filme de Luiz Sérgio Person é apenas para dizer que o futebol amador é assim mesmo: esteticamente grotesco. Na sua essência, portanto, é feito de agônicas pausas, que ora se manifestam nesses longos períodos de inatividade (circunstância esta que só agrava o retorno de alguns ao seu melhor futebol), ora se revelam durante os jogos, aquela espécie de fluxo narrativo tarkosvkiano com o qual alguns jogadores realizam suas jogadas. “O Sacrifício” de jogar um futebol recheado de firulas, de correr o tempo todo atrás da bola e fazer jogadas vazias de sentido e significações – quero dizer, a bola não rola, simplesmente isso, porque alguns abandonam a realidade do jogo antes do final da partida – abandonam a zaga, não marcam mais, param de correr ou de fazer gols. Inexplicavelmente, param de jogar. Daí os gols sofridos, o placar dilatado, a derrota. Uma paralisia cerebral momentânea.
De modo que a agonia de esperar até a próxima semana para poder encontrar o grupo e jogar de novo fica muito parecida ao desespero de ver o deserto, o aniquilamento coletivo, a falta de ação que se forma na equipe, por vezes, durante uma partida de futebol. Uma agonia coletiva. E é assim – perplexo – que vejo nosso futebol.
Um teatro de pausas.
Porto Alegre, 8 de setembro de 2006.
Um teatro de pausas.
Porto Alegre, 8 de setembro de 2006.
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