quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Danos

Há tempos procurava um trabalho que não danifique o homem. De fábrica em fábrica, passando pelo comércio de peças, o setor de serviços, transportes e telecomunicações, ele caminhou mundos, moveu páginas de classificados, longas caminhadas, feito um trapo, fina camada de osso, ele ali chegou.
Era um ferro-velho.
Com o tempo, apegou-se ao lugar, aos cheiros, às cores, à ausência de cor, à presença de ruídos, o corre-corre de máquinas e implementos, os grandes riscos, a falta de risco, acomodação. Ali ficou. Depois de um tempo, criou intimidade com o proprietário, pediu licença, montou sua casa com restos de sucatas.
Foi muito tempo depois, num final de tarde, quando viu sua imagem refletida no espelho de um velho Jeep abandonado (não havia espelhos no ferro-velho), notou que estava com a cor do lugar, que não havia nada ao fundo, que havia chegado ao fundo do poço.
Ao redor, pó, pedra, confusão.
No rosto, graxa, fuligem, fragmentos perdidos, poucas lembranças, falta de imaginação.
Sem idéias, caminhou em direção à sua acomodação; dormiu a noite inteira. Era preciso amaciar a dor de mais um dia de trabalho.
Naquela noite, dormiu de mais; acordou com a grande máquina de prensar sucatas carregando sua casa. O operador era novo, seu primeiro dia.
Acordou retorcido, depois esmagado. Peça danificada que não deram falta.

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