Barriguinha das Aranhas
Os dias todos, aí
pelas nove horas da manhã, eu passo em frente à Loja das Aranhas.
Leva esse nome porque o dono do lugar é alguém conhecido na área e
tem o apelido de Aranha, mas não se trata de ninguém familiarizado
com esses bichos – a loja não é uma agroveterinária ou algo do
tipo – o negócio ali é outro: naquela esquina vendem-se filmes.
Cruzo por ali todo dia, e é comum, mesmo ainda estando fechada a
loja a horas tantas, eu me deparar com uma criatura estacada diante
da loja, ao lado da porta: é o primeiro cliente. Difícil não
reparar nele, afinal é sempre o mesmo sujeito gordo e mal barbeado.
Sua barriga tem o formato da bunda de certas aranhas, e não vá
ninguém aí pensar que eu sou algum conhecedor das anelosimus
eximius. O indivíduo é totalmente anti-social, isto já senti,
outra vez que o cumprimentei não recebi nem um resmungo. O que sei
mesmo é que ele fica ali paradão um bom tempo, esperando até a
loja abrir. Toda vez que passo não deixo de pensar na na ânsia ou
na urgência do sujeito em ser atendido.
Isto até ontem.
Ontem eu resolvi frear
minha trajetória, esta vida de ente observador e descompromissado
das particularidades coletivas desse lado sujo do Centro Histórico,
e interrompi a minha ronda por esses recantos ermos da cidade – eu
mesmo um caçador de anomalias para os meus relatos iconoclastas –
então me postei ao lado do Barriguinha (já podia chamá-lo assim).
Nada falei; nem
tampouco ele me olhou (será que dormia escorado?).
Fiquei num pé só, o
outro fincado na parede, braços cruzados olhando fixo o outro lado
da rua, e quando o primeiro funcionário da loja chegou e ergueu as
grades do meu desejo – foi neste dia que virei o cliente número 2
da loja de filmes adultos.
Barriguinha é o número
um.
Quem sou eu para
retirar o lugar desse biólogo improvisado?
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