sábado, 9 de março de 2013

Quinze maneiras de se ver... uma garrafa térmica



  1. O primeiro foi o designer, e ele não pára de virar a peça. O que procura? Alguém aí tem como saber?
  2. O físico lhe tomou das mãos o objeto feito de alumínio e plástico, e virando sobre todos o líquido e as teorias sobre a estática dos fluídos, incrível, foi num zaz esquecido.
  3. Ao lado o químico explicava variações de ph para a moça de olhos piscina.
  4. Para quem o padre não pára de olhar, este mesmo que mistura em pensamentos anáguas e água benta – nada para ele faria qualquer sentido.
  5. Acordados, todos, pelo verbo indignado do advogado que em sua exposição de motivos deixou os presentes atônitos. Um António Vieira das argumentações.
  6. Menos o empresário, olhar seco, duro, fixo, a ver na garrafa grandes possibilidades, faixas de estoques, altos lucros, quantidades.
  7. Quantidade diferente sim da naturalista que pensava na procedência da água e no desperdício das mesmas.
  8. E o ser ecológico, para alguns escatológico, a lembrar em discurso interminável o problema da poluição de nossas reservas nada renováveis.
  9. Enquanto de luta e renovação, de política e favores falou, ao seu lado, o ser até então quieto, matuto, dizendo-se neto de cangaceiro, homem retirante das eternas secas, vindo de um nordeste distante, em nada compreendendo as tradições do sul.
  10. Explicadas pela antropóloga de plantão como sendo um ritual de passagem para o amadurecimento do caráter másculo e endurecido do gaúcho da fronteira, no que em nada foi entendida, esquecida ela mesma em seus olhares de busca constante ao dono da estância.
  11. Assim esquecida, sim, porque num sopro aparece ao seu lado o esteta das formas, o fotógrafo, a ver ângulos e possibilidades no metal prateado da garrafa.
  12. Tal como o cineasta da campanha, aqui a buscar locações para um épico perdido no fim do fundo da América do Sul.
  13. Abruptado aqui e ali pelo historiador que insistia, desde o primeiro minuto, em explicar casas grandes e senzalas numa soma (ele) de preconceitos espalhados por quadras e quadras de campo de uma historiografia conservadora.
  14. Interrompidos, todos, de repente, pelo cozinheiro gordo e engordurado que adentrou o recinto com a chaleira cheia de água quente, pendurada à mão, a pedir num tom campeiro e ríspido: Me passa isso aqui.
  15. É quando entra o gaúcho, e esporreando todo mundo, cambada de intrusos, a dizer: Que que tão fazendo com a minha garrafa?

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