Quinze maneiras de se ver... uma garrafa térmica
- O
primeiro foi o designer, e ele não pára de virar a peça. O que procura? Alguém
aí tem como saber?
- O
físico lhe tomou das mãos o objeto feito de alumínio e plástico, e virando
sobre todos o líquido e as teorias sobre a estática dos fluídos, incrível,
foi num zaz esquecido.
- Ao
lado o químico explicava variações de ph
para a moça de olhos piscina.
- Para
quem o padre não pára de olhar, este mesmo que mistura em pensamentos anáguas
e água benta – nada para ele faria qualquer sentido.
- Acordados,
todos, pelo verbo indignado do advogado que em sua exposição de motivos
deixou os presentes atônitos. Um António Vieira das argumentações.
- Menos
o empresário, olhar seco, duro, fixo, a ver na garrafa grandes possibilidades,
faixas de estoques, altos lucros, quantidades.
- Quantidade
diferente sim da naturalista que pensava na procedência da água e no
desperdício das mesmas.
- E
o ser ecológico, para alguns escatológico, a lembrar em discurso
interminável o problema da poluição de nossas reservas nada renováveis.
- Enquanto
de luta e renovação, de política e favores falou, ao seu lado, o ser até
então quieto, matuto, dizendo-se neto de cangaceiro, homem retirante das
eternas secas, vindo de um nordeste distante, em nada compreendendo as tradições
do sul.
- Explicadas
pela antropóloga de plantão como sendo um ritual de passagem para o
amadurecimento do caráter másculo e endurecido do gaúcho da fronteira, no
que em nada foi entendida, esquecida ela mesma em seus olhares de busca constante
ao dono da estância.
- Assim
esquecida, sim, porque num sopro aparece ao seu lado o esteta das formas,
o fotógrafo, a ver ângulos e possibilidades no metal prateado da garrafa.
- Tal
como o cineasta da campanha, aqui a buscar locações para um épico perdido
no fim do fundo da América do Sul.
- Abruptado
aqui e ali pelo historiador que insistia, desde o primeiro minuto, em
explicar casas grandes e senzalas numa soma (ele) de preconceitos
espalhados por quadras e quadras de campo de uma historiografia conservadora.
- Interrompidos,
todos, de repente, pelo cozinheiro gordo e engordurado que adentrou o
recinto com a chaleira cheia de água quente, pendurada à mão, a pedir num
tom campeiro e ríspido: Me passa isso
aqui.
- É
quando entra o gaúcho, e esporreando todo mundo, cambada de intrusos, a
dizer: Que que tão fazendo com a
minha garrafa?
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