sábado, 26 de abril de 2014

A importância do creme rinse para o futebol

CRÔNICA AO DIA DO GOLEIRO


Entre os temas mais preferidos da crônica esportiva que se dedica ao futebol amador está a inutilidade. Refiro-me a completa falta de relevância de alguns escritos lançados pelo cronista do absurdo, o degas aqui, o goleiro Edgar Degas, o Turbinado, como diria outro aí entre vocês mal intencionado. Todos são mal intencionados com o goleiro, registre-se. Pois não há nada mais sem sentido do que sentar-se diante da tela e buscar um assunto relevante para preencher a crônica esportiva da semana do futebol das campinas baixas e arrabaldes. Claro, preencher é modo de dizer, porque não acontece nada no futebol amador. O jogo é apenas o antes e o depois. A falta de preparo e a reunião dos atletas antes, e a severa dor que se segue depois, aliviada, algumas vezes, pela mesa cheia de geladas ao final da partida. Eu disse “gelada” e não “pelada”, afinal, perversidade eu deixo para Philip Roth e Nelson Rodrigues – este o cronista do absurdo futebolístico.
O tema de hoje. Mas qual era o “tema de hoje”? Nem tem, não tinha, nem terá (esta a única honestidade possível ao inventariante da crônica esportiva). Apenas lancei um título, uma lembrança, um acerto de contas com o futebol amador. Aquele que larguei em 1927. Gostaria de falar de uma das partes mais importante do jogo (do pós-jogo): o banho. Longe de mim associar-me a perversidades voyerísticas típicas do escritor de O complexo de Portnoy (Roth será não foi goleiro?). O consagrado escritor americano lá sabe o que é construir a masculinidade entre escapadelas e decotes. Meu assunto aqui hoje é o banho, os cuidados pós-jogo. Na verdade eu queria escrever sobre a vaidade, aproveitando a ocasião para homenagear um dos grandes jogadores do passado recente da Confraria Futebolística onde eu era o arqueiro: o Jogador dos Cabelos Incrementados.
No banheiro, no chuveiro ao lado e na água quente da noite, o goleiro perguntando sobre o creme rinse.
Ele estranha:
– Que é isso companheiro? Que história é essa de "importância do creme rinse"? Tu tá estranho hoje, né goleiro... Aqueles gols lá e agora isso.
– Mas eu sou o goleiro, não lembra? Vivemos no reino do inusitado, das inflexibilidades, do estrambótico, do empapado das horas. Passa o creme rinse aí duma vez.
O outro ainda hesita, mas pensa: goleiro, ainda sem cabelo, melhor não contrariar:
– Toma aí.


Porto Alegre, 26 de abril de 2014.

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