A importância do creme rinse para o futebol
CRÔNICA AO DIA DO GOLEIRO
Entre os temas mais
preferidos da crônica esportiva que se dedica ao futebol amador está a
inutilidade. Refiro-me a completa falta de relevância de alguns escritos
lançados pelo cronista do absurdo, o degas aqui, o goleiro Edgar Degas, o
Turbinado, como diria outro aí entre vocês mal intencionado. Todos são mal
intencionados com o goleiro, registre-se. Pois não há nada mais sem sentido do
que sentar-se diante da tela e buscar um assunto relevante para preencher a
crônica esportiva da semana do futebol das campinas baixas e arrabaldes. Claro,
preencher é modo de dizer, porque não acontece nada no futebol amador. O jogo é
apenas o antes e o depois. A falta de preparo e a reunião dos atletas antes, e
a severa dor que se segue depois, aliviada, algumas vezes, pela mesa cheia de
geladas ao final da partida. Eu disse “gelada” e não “pelada”, afinal,
perversidade eu deixo para Philip Roth e Nelson Rodrigues – este o cronista do
absurdo futebolístico.
O tema de hoje. Mas qual era
o “tema de hoje”? Nem tem, não tinha, nem terá (esta a única honestidade
possível ao inventariante da crônica esportiva). Apenas lancei um título, uma
lembrança, um acerto de contas com o futebol amador. Aquele que larguei em
1927. Gostaria de falar de uma das partes mais importante do jogo (do pós-jogo):
o banho. Longe de mim associar-me a perversidades voyerísticas típicas do
escritor de O complexo de Portnoy
(Roth será não foi goleiro?). O consagrado escritor americano lá sabe o que é
construir a masculinidade entre escapadelas e decotes. Meu assunto aqui hoje é
o banho, os cuidados pós-jogo. Na verdade eu queria escrever sobre a vaidade,
aproveitando a ocasião para homenagear um dos grandes jogadores do passado
recente da Confraria Futebolística onde eu era o arqueiro: o Jogador dos Cabelos
Incrementados.
No banheiro, no chuveiro ao
lado e na água quente da noite, o goleiro perguntando sobre o creme rinse.
Ele estranha:
– Que é isso companheiro? Que
história é essa de "importância do creme rinse"? Tu tá estranho hoje,
né goleiro... Aqueles gols lá e agora isso.
– Mas eu sou o goleiro, não
lembra? Vivemos no reino do inusitado, das inflexibilidades, do estrambótico,
do empapado das horas. Passa o creme rinse aí duma vez.
O outro ainda hesita, mas
pensa: goleiro, ainda sem cabelo, melhor não contrariar:
– Toma aí.
Porto
Alegre, 26 de abril de 2014.
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