O Edifício Perdido
Alguém está comprando um apartamento. Diz: "Tem que ser voltado para o fosso". O corretor de imóveis olha meio estranhado mas no fundo vibra: "Ninguém nunca quer comprar aqueles". Parece um sonho. Finalmente esse senhor terá o apartamento que sempre sonhou. Ele ri. O corretor também ri.
Os anos se passam e ali está aquele senhor. Um homem que não sai mais de casa. Vive um mundo de perguntas.
Como sentir a pulsação dessa selva de pedra sem enlocuquecer? A pergunta, ele faz agora, ali sentado ao lado do box do banheiro, aquele mesmo senhor, o morador do décimo quinto andar do Edifício Master, que há alguns anos atrás comprou aquele apartamento. Loucura aquilo, viver no completo abandono do fosso e alheio a tudo - inclusive luz. Quer dizer....
Seu João, 66 anos, morador do Master há 25, nem percebeu, mas já está ali há três horas e não pensa em sair. Conhece tudo naquilo que faz; todos os movimentos, circulações, sons. O edifício do Seu João é um organograma coberto de cheiros, pulsações e sons. Aqueles sons que pautaram sua vida, pontilhada, todo dia, pelo compromisso de observar a vida alheia. Agora ali, entregue na organização sonora dessa loucura que é viver coletivamente escutando o som e os ruídos dos outros, Seu João já esqueceu que não mora mais em sua casa - abandonada ao destino - ele mora agora no fosso.
Dali, o alheio lhe preenche.
Na verdade, não foi nada fácil chegar até ali. Aquela decisão. Abandonar o mundo, os amigos, os parentes. Ficar na dedicação exclusiva de um fosso, no mundo das intimidades.
O fosso de luz do Edifício Master é a fonte de inspiração desse antropólogo aposentado, que resolveu, um certo dia, adotar seu objeto de pesquisa por longos anos como palco de sua aposentadoria. E agora, ali, vendo a diversidade humana, os sons e os ruídos alheios como se fossem seus. E por isso esqueceu de todos, de tudo. Só ali, na escuridão do fosso de luz do seu edifício.
A variedade de sons de um edifício. Alguém já parou para pensar? É infinita. Dá uma tese em Antropologia, e foi isso que o Doutor Universitário João Flech Aníbal fez. Estudou o comportamento dos moradores do Edifício Master a vida inteira.... E a vida inteira na selva de pedra tentando entender a vida dos outros, anos e anos de trabalho de campo e ele acabou esquecendo no que se transformou o seu coração. Pois um a um ele foi deixando os amigos, abandonando os parentes, fugindo dos vizinhos, dos colegas. Toda uma carreira universidade perdida numa aposentadoria precoce que só lhe rendeu um montante de dinheiro suficiente para compar os noventa metros quadrados do décimo quinto andar do Edifício Master. Sim, uma vida voltado para o fosso.
Agora ali, esperando o próximo movimento dos vizinhos, o arrastar de chinelos da Dona Flor, uma descarga pontual no 14, a senhora do 1602 brincando com o gato, as gêmeas correndo no andar de cima.... Sim, não, Seu João tem certeza de que não está enlouquecendo, apesar de que tem repetido isso cada vez mais para si mesmo, como se ele mesmo já estivesse ouvindo sons de dentro de si.... Como os sons do fosso já tivessem vida.... E sempre quando alguém entra em seu apartamento para deixar alguma coisa (a porta está sempre aberta), lhe deixar comida, roupa limpa, agasalho ou um pouco de água e lhe perguntar afinal por que motivo ele não sai mais do banheiro e da área de serviço, ele não responde. Silencia. Ninguém sabe - Seu João não diz - mas a razão de continuar vivendo, nem que seja viver o som dos outros, está naquele fosso.
O fosso que foi a sua vida.
Os anos se passam e ali está aquele senhor. Um homem que não sai mais de casa. Vive um mundo de perguntas.
Como sentir a pulsação dessa selva de pedra sem enlocuquecer? A pergunta, ele faz agora, ali sentado ao lado do box do banheiro, aquele mesmo senhor, o morador do décimo quinto andar do Edifício Master, que há alguns anos atrás comprou aquele apartamento. Loucura aquilo, viver no completo abandono do fosso e alheio a tudo - inclusive luz. Quer dizer....
Seu João, 66 anos, morador do Master há 25, nem percebeu, mas já está ali há três horas e não pensa em sair. Conhece tudo naquilo que faz; todos os movimentos, circulações, sons. O edifício do Seu João é um organograma coberto de cheiros, pulsações e sons. Aqueles sons que pautaram sua vida, pontilhada, todo dia, pelo compromisso de observar a vida alheia. Agora ali, entregue na organização sonora dessa loucura que é viver coletivamente escutando o som e os ruídos dos outros, Seu João já esqueceu que não mora mais em sua casa - abandonada ao destino - ele mora agora no fosso.
Dali, o alheio lhe preenche.
Na verdade, não foi nada fácil chegar até ali. Aquela decisão. Abandonar o mundo, os amigos, os parentes. Ficar na dedicação exclusiva de um fosso, no mundo das intimidades.
O fosso de luz do Edifício Master é a fonte de inspiração desse antropólogo aposentado, que resolveu, um certo dia, adotar seu objeto de pesquisa por longos anos como palco de sua aposentadoria. E agora, ali, vendo a diversidade humana, os sons e os ruídos alheios como se fossem seus. E por isso esqueceu de todos, de tudo. Só ali, na escuridão do fosso de luz do seu edifício.
A variedade de sons de um edifício. Alguém já parou para pensar? É infinita. Dá uma tese em Antropologia, e foi isso que o Doutor Universitário João Flech Aníbal fez. Estudou o comportamento dos moradores do Edifício Master a vida inteira.... E a vida inteira na selva de pedra tentando entender a vida dos outros, anos e anos de trabalho de campo e ele acabou esquecendo no que se transformou o seu coração. Pois um a um ele foi deixando os amigos, abandonando os parentes, fugindo dos vizinhos, dos colegas. Toda uma carreira universidade perdida numa aposentadoria precoce que só lhe rendeu um montante de dinheiro suficiente para compar os noventa metros quadrados do décimo quinto andar do Edifício Master. Sim, uma vida voltado para o fosso.
Agora ali, esperando o próximo movimento dos vizinhos, o arrastar de chinelos da Dona Flor, uma descarga pontual no 14, a senhora do 1602 brincando com o gato, as gêmeas correndo no andar de cima.... Sim, não, Seu João tem certeza de que não está enlouquecendo, apesar de que tem repetido isso cada vez mais para si mesmo, como se ele mesmo já estivesse ouvindo sons de dentro de si.... Como os sons do fosso já tivessem vida.... E sempre quando alguém entra em seu apartamento para deixar alguma coisa (a porta está sempre aberta), lhe deixar comida, roupa limpa, agasalho ou um pouco de água e lhe perguntar afinal por que motivo ele não sai mais do banheiro e da área de serviço, ele não responde. Silencia. Ninguém sabe - Seu João não diz - mas a razão de continuar vivendo, nem que seja viver o som dos outros, está naquele fosso.
O fosso que foi a sua vida.
3 ComentÁrios:
Muito legal a frase final...cara... tu tá bom nisso!!!
ler este conto foi como presenciar o processso de uma sala escura que aos poucos vai se preenchendo de luz, detalhes, nuances. e a frase final fecha muito bem. belo começo.
ler este conto foi como presenciar o processso de uma sala escura que aos poucos vai se preenchendo de luz, detalhes, nuances. e a frase final fecha muito bem. belo começo.
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