As folhas de Pedrinho
É duro ser uma folha. Atirada, como estão essas outras folhas no meio de cadernos amarrotados, apertados dentro de uma pasta engasgada de um aluno do terceiro ano do primário, esta é só mais uma das tantas folhas desenhadas pelo pequeno Pedro, filho do outro Pedro, o pai. É um belo desenho no meio da mesmice de uma produção textual gazeada, hoje à tarde, em sala de aula, em troca de uma linda paisagem desenhada: o pai chegando em casa, som de buzina nas duas sílabas de um fom-fom, a casa colorida, ao fundo, árvores ao lado, o filho e a mãe em frente à casa esperando o pai, os sorrisos largos, bem diferente desta outra cena: o pai jogando todo o material do filho no porta-malas do carro, na entrada do colégio, no final da aula, da tarde, do mundo, e na pressa do mundo de quem nem sabe por que está com pressa, e atira-se a correr, a acelerar, em marchas longas e por curvas mortas, esquinas muitas que já conhece, e desconhece, e vira aqui, buzina irritado, já sabe, vira ali, freia lá, até o Pedrinho já sabe que todo o seu material vai se esgoelar lá atrás, na mala. As folhas, os desenhos da tarde, estes serão apenas passas esmagadas. Serão passado.
No banheiro, o desenho colado. Faz anos, o filho já foi embora. Ficaram os desenhos, mesmo amarelos e amarrotados, eles agora preenchem o vazio de toda esta casa: a mulher, longe dos gritos e impropérios; o filho desistiu do mau humor generalizado. Sozinho ele olha o desenho, as pareces opacas, e nelas o molhado, aqui passado. Leva a mão à parece na curta tentativa de acariciar o desenho, mas a folha lhe cai, gruda-se ao chão encharcado deste banheiro solitário e masculino – e borra.
É apenas mais uma folha caída, como velhas árvores depois dos verdes anos, como memória que se apaga.
Era mais uma das folhas do caderno (e da pasta) de Pedro (lembra da pasta e do carro agora), quando o filho ainda era Pedrinho.
Não mais.
No banheiro, o pai apanha a folha, luta contra o elemento mineral que apaga suas lembranças, e ele chora, molha mais uma vez a casa que era (um dia foi) colorida; chora e vê as duas almas desenhadas, abanando, um olá de quem o esperava.
Agora não mais.
No banheiro, o desenho colado. Faz anos, o filho já foi embora. Ficaram os desenhos, mesmo amarelos e amarrotados, eles agora preenchem o vazio de toda esta casa: a mulher, longe dos gritos e impropérios; o filho desistiu do mau humor generalizado. Sozinho ele olha o desenho, as pareces opacas, e nelas o molhado, aqui passado. Leva a mão à parece na curta tentativa de acariciar o desenho, mas a folha lhe cai, gruda-se ao chão encharcado deste banheiro solitário e masculino – e borra.
É apenas mais uma folha caída, como velhas árvores depois dos verdes anos, como memória que se apaga.
Era mais uma das folhas do caderno (e da pasta) de Pedro (lembra da pasta e do carro agora), quando o filho ainda era Pedrinho.
Não mais.
No banheiro, o pai apanha a folha, luta contra o elemento mineral que apaga suas lembranças, e ele chora, molha mais uma vez a casa que era (um dia foi) colorida; chora e vê as duas almas desenhadas, abanando, um olá de quem o esperava.
Agora não mais.
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