quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Loja de Cosméticos


Como eu desenvolvi aquilo? Quando foi que tudo começou? Só sei que quando vi, já tinha acontecido. Parado diante das prateleiras de shampoos daquela loja especializada, meu olhar tinha o brilho mazar dos anti-resíduos. Duas horas escolhendo a perfumaria dos meus sonhos.... E o sonho passando ao meu lado. O cheiro. A permanência poética das coisas pensadas dentro de uma loja de cosméticos, onde o sorriso das atendentes tem o perfume das coisas inanimadas. O encanto de um itinerário feito de procura. Ela me chamou duas vezes. Eu nunca fui bom em extrair cheiros e entender sensibilidades, e naquele momento eu já estou pensando em surdez ironicamente adquirida.

Disse um “oi”, assim, comprido. Tinha um certo buquê de perfume aquele “oi”. No sonho, pelo menos tinha.

Eu pensando que aquela coisa me inquietava. O passeio, a eterna ronda, a faina, dia após dia, de loja em loja, observando o mundo das eqüidades estéticas diluídas em comentários que começavam sempre com algo assim, banal: “Nossa!”. A estranheza daquela futilidade me cercando aos poucos. Eu fechava os ouvidos, queria continuar ali, e então me concentrava nos produtos. Tentava abstrair as pessoas, mas eu nunca entendi por que motivo as pessoas sempre vão tão arrumadas para comprar cosméticos.... Aqueles assuntos em que me especializei. Na verdade, não sei por que eu era sempre o único homem na loja, e ali, o mais desarrumado, buscando sempre o último lançamento. A inutilidade de descobrir que elas sempre me olhavam de cima abaixo, que não perdoam ninguém.

Ela chegou dizendo, uma voz que parecia doce: “Oi. Já foi atendido?”.

Levei dois dias para entender o que havia acontecido naquele dia. Voltei arrumado, no terceiro, minha enfática tentativa de romper o mundo ao meu redor (eu sempre fui muito tímido). Não deu certo, por alguma razão ela não estava lá; jamais encontrei aquela atendente de novo. Perguntei por ela, juntei esforços (todos os meus sentidos em ação), fui minucioso na descrição do seu cabelo, na altura, nos caracteres da voz, na cor dos olhos, em tudo, mas ninguém a conhecia. Nunca tinham visto ali ninguém assim-assim.

Existia? Um sonho? A que será que se destinam os sonhos?

Parado diante do grande espelho daquela loja de cosméticos. A consciência fragmentada. Abobalhado (“Não, não conhecemos”); imóvel, o desabamento de um olhar perscrutando a falta de simetria e a péssima combinação de traje, camisa e gravata que eu tinha minuciosamente arquitetado o para o nosso reencontro (“Não há ninguém aqui com tal descrição”). Sim, eu, o sujeito beirando os 50 anos, socado naquele terno - senso estético dissonante para o lugar -, naquele instante refletido no grande espelho absurdamente iluminado; parado, procurando entre a infinidade de cremes, shampoos, e condicionadores o aroma perfeito, o sentido das coisas. Ela. Até chegar ali o meu circuito foi percorrer as lojas especializadas numa busca aparentemente sem fim, que então chegava ao fim. E na minha procura, o filme que eu rodava na cabeça tinha as mais variadas cores e estava simetricamente enquadrado em corredores intermináveis, moldado pela simetria quase sempre perfeita, como perfeitas eram aquelas palavras da cena inicial: “Posso ajudar?” Francamente, não podiam mais. Eu já não olhava mais as prateleiras – comecei a abrir os potes e a experimentá-los. Era isso. Seria isso mesmo? Se eu nunca consegui ver nada ao meu redor (aquela coisa de as pessoas passarem por mim); se a sensibilidade para as coisas nunca foi o meu forte, e os cheiros eram uma atmosfera inexistente, só me restava ouvir o mundo ao meu redor. E nem isso mais eu conseguia. Agarrei-me ao paladar das coisas perdidas....

“Fique à vontade”, não é o que sempre nos dizem?

Naquele dia ela ficou falando comigo antes de ir embora. Tentou, e creio, desistiu. Até que alguém veio me acordar dizendo que os produtos expostos não podiam ser consumidos na loja.

6 ComentÁrios:

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