terça-feira, 31 de julho de 2007

Virgínia

A areia. O passo. O casco. A batida na pedra. O leito. O fundo. Meu rio.

Instável, fluxo-floema, fim.

Quatrocentos quilômetros eu viajei em busca de algo que estava dentro de mim. Chego, e aqui estou. O mesmo rio e suas correntes borbulhantes, eventos, acontecimentos inválidos que passam, desassossego, martírio, conjunção, tudo me lembra um começo sem fim. O passo em falso, cambaleio; vejo Virgínia. Ela me aponta o caminho – outra vista, profundidade, outro rio, percurso, erosão.

O passo é lento, some; como um resto de vida que me invade e consome; o leito é pedra, e a pedra não tem pressa, é um instante, arrepio. O meu rio é uma lenta pedra que se transforma em areia, penetra, invade, esfria, vasculha este lodo, memória, esgoto, escuridão.
Ao meu lado Virgínia carrega algumas pedras no bolso. Sua mão é firme, nada busca, sua blusa tem a cor do ouro, voa em busca dos olhos mouros, funil. Procuro algum sentido em seus movimentos - e não encontro nada – semente, viço, emoção. Pergunto sobre a pedra que ela traz, mas ela não me ouve... A memória é uma forma imperfeita, uma sina que nos confunde, e mistura tudo: a cor do instante, o fluído de um laço, um fascínio que vejo ao chegar bem próximo de mim. Virgínia está longe e se aproxima. Seus passos lentos são finitos, resolutos. Minha sina é incerteza, dissolução. Tudo dissolvido no breve instante, tal peso, um arremesso, meio mergulho, sem rumo. Nossos pés na areia não deixam marcas, nossos passos são lentos profundos, depois entram, invadem, por dentro vão consumindo minha memória, o precipício, meu fim, assim:

Nas pedras da minha infância corre um rio. Nas lembranças de criança, alguém me empurrando me leva para longe, onde me perco, dou um giro, vejo o fundo do rio. Na trilha que deixo na água, tudo é pedra, pedregulho, é um rastro onde se desfazem em lascas os pedaços de mim. A lembrança. Virgínia. O doce caminho que me leva do princípio ao meio, do fluxo ao poema, nosso desejo, fim. Tudo aqui, neste mesmo instante são pedras que carrego, e quando avisto Virgínia, descendo, vejo meu escárnio tudo enfim.

Pisando as pedras molhadas do leito da minha infância, entro na areia que se move lenta, desfaz o caminho, e no meio do caminho percorro essas águas que me levam até os confins. Sonho com Virgínia ao meu lado, juntos, e o passo que dou rumo ao leito é outra espécie de fim. Num sobressalto, tremedeira, pisamos, chegamos juntos, solicitude, solidão. Dou um passo na direção do instante-frio, e isto é tudo. Pois quando sinto que tudo se aproxima do peso exato da pedra que carrego em mim, este medo, memória feita de areia que invade o leito, mergulho até o fundo do poço exposto. Chego. Lá vejo um buraco que leva tudo para dentro de mim. Memória, sono, lento extermínio – eis o fim.

Virgínia me dá a mão, afundamos.

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