segunda-feira, 11 de junho de 2007

A Menina do Gorro Cor-de-Rosa

Luana está chorando. No dia em que ocorre a apresentação do terceiro ano, ela está como uma rosa murcha no meio da platéia, e chora. Para os que se aproximaram e tentam animá-la (água em planta morta), ouvem a pequena Luana, paralisada e lacônica, contar que perdeu alguma coisa. Ninguém entende direito o que Luana está falando neste momento. Ela está segurando o vestido. Súbito, descobrem que ela está procurando algo que é seu e que agora perdeu. Não é fácil entender a menina. Suas lágrimas são como pétalas caídas, atrapalham, entrecortam sua fala. Na verdade, ela não fala, engasga-se na poeira de suas lembranças. De novo eles fizeram, sorrateiros, de novo eles foram chegando, um olhar de piedade. Ao seu redor, aglomeram-se alunos e professores que tentam consolar a menina de sete anos. O gorro caído ao seu lado faz a colega abaixar-se para apanhá-lo. Ela alcança para a menina que chora por um gorro cor-de-rosa surrado, provavelmente - todos acreditam – o objeto que ela perdeu. Não era. Luana coloca o gorro na cabeça e explica que está chorando porque perdeu o único dinheiro que tinha para comprar o lanche no intervalo.

A professora Maria Teresa está quase chorando. Foi difícil chegar até o dia da apresentação dos alunos da terceira série do ensino médio. Poesia, música e a leitura de seus contos. O programa dos seus sonhos. Um sarau músico-poético-literário com seus melhores alunos e prestigiado por toda a escola. Meses e meses de convencimento, ensaio e preparação. A difícil escolha dos talentos, do programa, da encenação. Depois veio a reunião do material a ser lido. A preparação do espaço. Iluminação, combinação de música, luz e cor. Cada detalhe pensado, e agora uma pequena menina de sete anos, despenteada e perdida no meio do salão, chora. Ela quer alguma coisa que se extraviou, ninguém sabe o quê, e por essa razão ela é agora o centro das atenções. Todos olham para a pequena menina de cabeça baixa e cabelos claros que segura o vestido como se fosse cair. Apanha o gorro cor-de-rosa que alguém acaba de lhe alcançar, e com as duas mãos de estátua, prende o gorro à cabeça. No palco, a professora Tetê decide pedir a colaboração de todos. Ninguém ouve, ela aumenta a voz. Odeia falar alto.

Luana começa a ficar mais tranqüila. A coordenadora do evento sabe do seu problema. Só não sabe dos meninos maiores. Jogaram o gorro no chão, chutaram, pisotearam, alguém devolveu, e agora ela não sabe onde estão os trocados que segurava minutos atrás. Ficou tranqüila depois que a professora lá na frente pediu para que todos procurassem o dinheiro perdido.

Maria Teresa pediu atenção, a platéia ficou parada, atenta e cordial. Por um segundo, todos procuraram a pequena garota no meio da multidão, depois uma agitação em busca do objeto perdido. O alvoroço atrapalha mais do que o choro da menina de gorro cor-de-rosa; por isso agora a professora está decidida que o melhor é pedir para que todos procurem depois, depois gente. É o que faz, é o que fazem. Todos param, ovelhas silenciosas, e voltam a seus lugares, sentam, o sarau recomeça, o sonho da professora Tetê está começando.

Luana não sabe, mas o choro dentro dela vai morrendo. Ela enterra o gorro na cabeça. Soca dentro dele toda sua frustração. Raiva. Ódio. Sentimentos que ela ainda não controla muito bem, por isso agora tudo está misturado. Em sua cabeça, a multidão de olhares lhe devorando; no rosto, o vermelho da decepção. Luana não consegue entender o interesse de todos, como também não entenderá, mais tarde, quando chegar em casa, entrar no quarto, tirar o gorro cor-de-rosa e perceber que o dinheiro foi deixado ali dentro. Mais uma brincadeira feita por eles.

Tetê ainda não sabe, mas a tragédia cotidiana vivida pela pequena Luana será a fonte inspiradora do texto que, à noite, sozinha em casa, e mais uma vez quase chorando, escreverá. Porque ela lembrará de um dia, aos sete anos.

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