Academia do Povo
CRÔNICA ESPORTIVA DA RECOPA
No princípio, toda crônica tem que ser elegante. Escrever periodicamente sobre fatos marcantes do futebol profissional requer, antes de mais nada, isto: requinte e sofisticação. Nem que depois termine em baixaria e puro coração. Afinal o povo é passional, e eu lembro muito bem de onde vim. De modo que a crônica que eu pretendo escrever hoje sobre a conquista da Recopa Sulamericana pelo Sport Club Intenacional começa assim. Com distinção. Por isso, o texto de hoje evoca o nome que para mim sempre foi objeto de nobreza, de história, um testemunho afetivo da ligação de meu time com as classes mais desfavorecidas da população brasileira – a antiga coréia – essas pessoas que fazem do futebol a sua vida. Minha crônica de hoje é sobre a Academia do Povo.
O nome justifica-se. Quero dizer com isso que a denominação não é coisa de hoje, tem história incorporada, e não foi dada por fatos recentes do futebol gaúcho (os tantos títulos nacionais, os três da Libertadores, os dois Mundiais e agora a segunda Recopa). Digo isso porque se hoje em dia o Time Mosqueteiro também consegue trazer para os estádios a nação rio-grandense, este fato é coisa recente num time que já foi protagonista do preconceito. Aliás, os gremistas reivindicam para si a “alma castelhana” do futebol brasileiro. A torcida argentina adora chamar os brasileiros de “macaquitos”. É isto? Sei não, para mim tinha muita garra sulamericana em campo ontem e eu não vi nenhum gremista por perto. Aliás, seria interessante mesmo que os torcedores da outra agremiação estivessem presentes no estádio e percebessem que a brasileirismo da torcida colorada começa pelo motor do time e da torcida: Pinga. As origens sócio-culturais da nação colorada e que fazem desta torcida a legítima Academia do Povo não começam com alma castelhana nenhuma; ela tem a volume temporal de páginas e páginas de uma dissecação ao mesmo tempo visceral, grotesca, intestinal e histórica de um clássico como “Viva o Povo Brasileiro”, obra máxima de João Ubaldo Ribeiro que muito explica nossas raízes e o germe das contradições que fazem a nossa diversidade cultural ser algo muitas vezes inexplicável. Exatamente como o comportamento da torcida colorada ao final do jogo.
Ontem à noite, portanto, no estádio Beira-Rio, o povo brasileiro esteve presente. Toda a diversidade cultural que vai de Índio a Pinga (dois maestros em campo) de Ceará a Sidnei de Alegrete (os extremos), passando por outros bichos de estimação (Pato, Perdigão), tudo aquilo era um pouco a síntese do futebol brasileiro. Não havia nenhum jogador em campo que empunhasse com perfeição a língua de Cervantes, razão pela qual nosso time teve que valer-se da liderança, do futebol e do Portuñol do capitão Iarley. O ex-jogador do Boca Juniors era o nosso único ponto de contato lingüístico com o povo sulamericano, numa clara demonstração de que os brasileiros sempre estiveram distantes dos habitantes que vivem do outro lado do Rio da Prata (excluindo-se, portanto, a República Cisplatina, parte do território rio-grandense por razões históricas e afetivas). A alma latino-americana do Inter passa pelo tricampeonato brasileiro, conquistado com Figueroa e depois com Benitez, não por acaso um chileno e o outro paraguaio.
Claro, tanta liberalidade, tanto frio, tanta empolgação com o terceiro título internacional conquistado pelo meu time em um ano fez com que ontem à noite Pinga fosse a grande atração do jogo. No futebol de um maestro em campo e na metáfora da descompressão total, bebemos todas. Só faltava este título. Sabedores, agora, os colorados, de que possuímos todos os feitos do time rival (menos o título da Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro – o Título dos Aflitos), os torcedores pularam e gritaram o jogo inteiro. Uns chamam isso de alma castelhana. Eu lembro que isso fez parte da história de lutas do povo brasileiro, dos Guararapes aos Farroupilhas, passando pela Balaiada, pela Revolta da Vacina e pela Chibata, chegando ao Contestado, este é o nosso Brasil: o da diversidade, o das revoltas. A maioria delas não levou a nada – a história é dos vencedores.
Ontem, unidos num tom só pelo passos do cearense Pinga, nosso maestro em campo, e pela bebida destilado produzida por aqui mesmo – o motor das arquibancadas –, o resultado só poderia ser aquele. Tanta euforia e alucinação acabaram em baixaria: a torcida estragou a festa ao invadir o estádio e impedir a volta olímpica, chegando-se ao absurdo (nunca vi em proporção tão grande) de minha própria torcida vaiar parte dela mesma. Coisas que só acontecem numa festa movida à emoção e puro delírio.
A conquista da Tríplice Coroa Sulamericana pela Academia do Povo.
Porto Alegre, 8 de Junho de 2007.
No princípio, toda crônica tem que ser elegante. Escrever periodicamente sobre fatos marcantes do futebol profissional requer, antes de mais nada, isto: requinte e sofisticação. Nem que depois termine em baixaria e puro coração. Afinal o povo é passional, e eu lembro muito bem de onde vim. De modo que a crônica que eu pretendo escrever hoje sobre a conquista da Recopa Sulamericana pelo Sport Club Intenacional começa assim. Com distinção. Por isso, o texto de hoje evoca o nome que para mim sempre foi objeto de nobreza, de história, um testemunho afetivo da ligação de meu time com as classes mais desfavorecidas da população brasileira – a antiga coréia – essas pessoas que fazem do futebol a sua vida. Minha crônica de hoje é sobre a Academia do Povo.
O nome justifica-se. Quero dizer com isso que a denominação não é coisa de hoje, tem história incorporada, e não foi dada por fatos recentes do futebol gaúcho (os tantos títulos nacionais, os três da Libertadores, os dois Mundiais e agora a segunda Recopa). Digo isso porque se hoje em dia o Time Mosqueteiro também consegue trazer para os estádios a nação rio-grandense, este fato é coisa recente num time que já foi protagonista do preconceito. Aliás, os gremistas reivindicam para si a “alma castelhana” do futebol brasileiro. A torcida argentina adora chamar os brasileiros de “macaquitos”. É isto? Sei não, para mim tinha muita garra sulamericana em campo ontem e eu não vi nenhum gremista por perto. Aliás, seria interessante mesmo que os torcedores da outra agremiação estivessem presentes no estádio e percebessem que a brasileirismo da torcida colorada começa pelo motor do time e da torcida: Pinga. As origens sócio-culturais da nação colorada e que fazem desta torcida a legítima Academia do Povo não começam com alma castelhana nenhuma; ela tem a volume temporal de páginas e páginas de uma dissecação ao mesmo tempo visceral, grotesca, intestinal e histórica de um clássico como “Viva o Povo Brasileiro”, obra máxima de João Ubaldo Ribeiro que muito explica nossas raízes e o germe das contradições que fazem a nossa diversidade cultural ser algo muitas vezes inexplicável. Exatamente como o comportamento da torcida colorada ao final do jogo.
Ontem à noite, portanto, no estádio Beira-Rio, o povo brasileiro esteve presente. Toda a diversidade cultural que vai de Índio a Pinga (dois maestros em campo) de Ceará a Sidnei de Alegrete (os extremos), passando por outros bichos de estimação (Pato, Perdigão), tudo aquilo era um pouco a síntese do futebol brasileiro. Não havia nenhum jogador em campo que empunhasse com perfeição a língua de Cervantes, razão pela qual nosso time teve que valer-se da liderança, do futebol e do Portuñol do capitão Iarley. O ex-jogador do Boca Juniors era o nosso único ponto de contato lingüístico com o povo sulamericano, numa clara demonstração de que os brasileiros sempre estiveram distantes dos habitantes que vivem do outro lado do Rio da Prata (excluindo-se, portanto, a República Cisplatina, parte do território rio-grandense por razões históricas e afetivas). A alma latino-americana do Inter passa pelo tricampeonato brasileiro, conquistado com Figueroa e depois com Benitez, não por acaso um chileno e o outro paraguaio.
Claro, tanta liberalidade, tanto frio, tanta empolgação com o terceiro título internacional conquistado pelo meu time em um ano fez com que ontem à noite Pinga fosse a grande atração do jogo. No futebol de um maestro em campo e na metáfora da descompressão total, bebemos todas. Só faltava este título. Sabedores, agora, os colorados, de que possuímos todos os feitos do time rival (menos o título da Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro – o Título dos Aflitos), os torcedores pularam e gritaram o jogo inteiro. Uns chamam isso de alma castelhana. Eu lembro que isso fez parte da história de lutas do povo brasileiro, dos Guararapes aos Farroupilhas, passando pela Balaiada, pela Revolta da Vacina e pela Chibata, chegando ao Contestado, este é o nosso Brasil: o da diversidade, o das revoltas. A maioria delas não levou a nada – a história é dos vencedores.
Ontem, unidos num tom só pelo passos do cearense Pinga, nosso maestro em campo, e pela bebida destilado produzida por aqui mesmo – o motor das arquibancadas –, o resultado só poderia ser aquele. Tanta euforia e alucinação acabaram em baixaria: a torcida estragou a festa ao invadir o estádio e impedir a volta olímpica, chegando-se ao absurdo (nunca vi em proporção tão grande) de minha própria torcida vaiar parte dela mesma. Coisas que só acontecem numa festa movida à emoção e puro delírio.
A conquista da Tríplice Coroa Sulamericana pela Academia do Povo.
Porto Alegre, 8 de Junho de 2007.
1 ComentÁrios:
Mesmo sendo gremista,gostei muito do texto ACADEMIA DO POVO. Parabéns pelo título mundial do internacional e pelo puro e único futebol brasileiro que apresentou ao mundo sob os pés de um brasileiro nato, o nosso querido Alexandre Pato. Q este título do inter sirva de exemplo à todos nós gremistas e à toda e qualquer nação ou torcida acastelhanada por aí à fora.
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