terça-feira, 14 de agosto de 2007

Fandango

Olhando de onde me encontro agora, sinceramente, não consigo entender o que estou fazendo aqui, neste fandango. Está certo que a decisão de acompanhar esse grupo de turistas para que conhecessem as danças folclóricas do lugar foi minha. Agora que o show encaminha-se para o fim, vejo que ao lado da euforia de alguns vegeta a lentidão de aquário de outros, tal o tédio dos gestos. Para dizer a verdade, depois de duas horas, estão quase todos atirados nas cadeiras, misto de cansaço e decepção. Como se esperassem apenas o momento derradeiro: café, a conta e o fim. É quando olho para o canto do salão e encontro aquele monumento ao grotesco. Um homem nos seus quarenta e tantos anos baba as mágoas num copo de cerveja ordinária; desequilibrado na sua solidão, ele traz preso à outra mão uma câmera fotográfica. É um objeto extraviado no meio desta apresentação. De repente ele se vira, olha para mim, faz um sinal característico, vem e me pede algo.

Demorei, e foi só agora que percebi o sujeito inoportuno, parado aí de pé ao meu lado: ele não tira os olhos do rodado. Credo! Já foi um suplício participar do show, todas as noites a mesma coisa: este vestido horroroso cheio de bordados, esses turistas beberrões, suas inconveniências... Só porque pagam (e pagam muito bem) para assistir ao espetáculo dançante de música tradicionalista pensam que têm o direito de pedir qualquer coisa – e não podemos negar. É o nosso trabalho. O desagradável é que, mesmo cambaleante, ele está decidido a pedir de novo. Toda semana o mesmo enredo furado. Adivinho sua intenção, não há nada mais previsível. Logo ele chama alguém da mesa dos gringos e lhe pede para que saque uma foto sua, de pé, no meio de nós duas, as prendas. Chega pisoteando a minha bota, fede a cerveja morna, realmente desagradável, e é um esforço imaginar que aquilo que traz estampado no seu rosto seja um sorriso.

Sei que não é fácil aparentar solidão. Talvez seja por isso que sempre trato de ficar misturado aos excitados, os turistas de ocasião. Fico no meio deles, disfarçado, e isto é relativamente fácil: primeiro porque tenho comigo uma máquina fotográfica a tiracolo, depois porque faço cara de idiota e me aproximo do grupo eufórico. Mas aquilo não me contagia. Eles entram sorrindo, pedem tudo, pagam alto e depois ficam pulando a noite toda fora do ritmo, no meio do salão. Abobalhados, ficam assistindo ao show que eu já conheço de cor; no final, aproveito o lugar quieto onde fiquei para me aproximar dela. Não está sozinha hoje. Ao seu lado, outra dançarina, colega de palco. Aproximo-me delas, flutuando nas graças da minha condição adquirida. De pé, aguardo o momento de pedir a elas para tirarmos uma foto juntos. Conseguir alguém que bata a foto não é difícil. Qualquer otário está disposto de fotografar mulher bonita. Então sorrindo, abraçado e já meio largado no meio delas, finjo a satisfação dos que têm passagem curta.

Da portaria, vejo todo tipo de gente circular por aqui. É um pé-no-saco atender à felicidade alheia. Mas é o meu trabalho. Fico enjoado com o humor dos brindes à base de espumantes, a falsa euforia dos convivas. O sujeito ali parado me chama a atenção. Deve ter algo em torno de quarenta e cinco anos, veste roupa de fim de semana, tem o cuidado dos ansiosos. Toda quinta vem aqui, escolhe uma mesa, o resto da noite sozinho; depois se aproxima das meninas. Sempre dá um jeito de chegar perto de Camila, a estrela da noite. A prenda nem lhe dá atenção, mas acho que ele não liga mais para isso, pois fica ali do mesmo jeito, imóvel, acabrunhado num canto. Fica esperando. No final da noite – também já percebi - ele se mistura aos turistas só para pedir um retrato com ela. Noto que a garota não liga para esse detalhe, e faz o jogo dele. Só o que me deixa curioso é a fotografia: sempre a mesma. Semana após a outra, o mesmo olhar triste estampado no rosto, gerando ondas de indiferença, espécie de insatisfação que amolece o colorido do vestido, apaga o brilho das luzes ao redor, deixando ainda mais pálido o rosto a essa altura já suado da nossa melhor dançarina. Ele nem se importa, agradece, vai embora.

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