sábado, 1 de setembro de 2007

Noite de Estréia

Chegou cedo para a estréia daquele curioso filme. Alguém que encontrou na rua, dias atrás, capote longo, barba escura e uns olhos de procura. Tinha se aproximado de repente, espichou o braço, entregou um pedaço de papel onde estava escrito o dia e a hora da estréia. Queria perguntar mais sobre o estranho filme; o sujeito havia sumido. Agora, diante da bilheteria do cinema, está um tanto assustado com a localização da sala: bairro afastado. Nas proximidades, uma escuridão, poucas pessoas circulando na rua, um deserto uivante. Faz o pedido, apanha o ingresso, sai. Falta muito para o início do filme. Hora de encontrar um lugar fechado.
Do outro lado da rua, iluminado por uma luz fraca, porta entreaberta, um pequeno bar. Decide ir até lá, esperar. Quem sabe dali pode observar o movimento, a venda de ingressos, a chegada dos espectadores. Serão muitos? A pergunta ele se faz enquanto entra no bar e pede uma soda ao dono do estabelecimento. Soda? Há um tom de quem não acredita na voz do gordo atrás do balcão. De pé, nervoso com a espera, ele rodeia os dedos pelo gargalo da garrafa. Pede um copo, já imagina, está sujo. A pouca luz e o silêncio fazem o tempo não passar, essa demora. Se tivesse trazido um livro, revista. Olha ao redor: bar está vazio. Próxima à janela, uma única mesa ocupada; nela a estranha presença de um homem cuja negra barba esconde um olhar pálido, fixo num ponto, como se estivesse sob hipnose sem volta. Com os olhos voltados para a sala de cinema do outro lado da rua, esse homem parece contar as pessoas que estão chegando. Tem os olhos atentos na pequena multidão que vai se formando à medida que se aproxima a hora da estréia.
Lembra o que está esperando. Olha o relógio sujo da parede. O filme vai começar. Num pulo deixa o balcão, em cima uma nota de angústia, o pagamento, sai abandonando o bar e o estranho mundo de perguntas, sombras e mistério que se formou ao redor da figura sinistra sentada naquela mesa.
Da calçada do outro lado da rua, antes de entrar na sala de cinema, volta a cabeça, olha a penumbra do bar. Ele ainda está lá, sentado junto à janela, presença dominante na escuridão daquele estabelecimento sombrio.

O filme começa agitado. Gritos, risos histéricos, a fala macabra, a promessa de uma hora e meia de muito terror. Minutos depois, o protagonista da fita entra em cena. Está vestido à moda antiga, cartola à cabeça, traje escuro e muito escárnio ao falar, esse homem impõe o medo, assusta. Ele olha direto para a câmara com a tranqüilidade dos que sabem serem dono do destino alheio. Um frio na espinha do espectador. A lembrança da cena. A garrafa escapando da mão, rolando pelo balcão, caindo no chão encardido do bar. Grito de horror. O homem sentado no bar vira a cabeça, olha como se desejasse o seu sangue. Aquela interrupção. O homem da tela olha como se desejasse sua alma. Um arrepio: Não pode ser?
Num soco, levanta da poltrona, sai correndo da sala, da rua, do bairro, não olha para trás, só consegue parar quando chega em frente à sua casa. Ao abrir o portão avista do outro lado da rua um homem vestindo um capote, que interrompe sua caminhada, pára, olha em sua direção. Ele está atravessando a rua.

4 ComentÁrios:

Blogger Angel said...

Demorei para visitar o blog pois gosto de ler com calma e atenção...

Valeu a pena esperar o momento certo. Parabéns pelo seus textos!

Me inspirou para me dedicar mais ao meu blog.

Ps: Obrigada pelo retorno do email. Percebe-se que você é muito legal e educado.

Abraço e bom feriadão.

sexta-feira, 07 setembro, 2007  
Blogger Angel said...

Obs: * pelos seus textos

sexta-feira, 07 setembro, 2007  
Anonymous Anônimo said...

edgar, vi agora que você me ligou (mas é tarde e não vou ligar de volta). aguardo teu contato! bj.

domingo, 23 setembro, 2007  
Anonymous Anônimo said...

só pra garantir: camiladalbem@yahoo.com.br

me manda teu mail?

bj!

quinta-feira, 27 setembro, 2007  

Postar um comentário

<< Home