domingo, 12 de novembro de 2006

O Branco

“Em vez de viver, verbo irresponsável demais para tanta
exigência, a gente deveria dizer estou me dedicando...”
Adriana Lunardi

Sentado, penso no branco de Ana Cristina César. Tento imaginar as condições que a fizeram sentar um dia diante de uma folha e imaginar o branco, e do branco outras tantas formas claras que acabaram lhe conduzindo ao mínimo, à pureza, ao essencial de uma poesia que mergulha na vida, no branco, e dali tira sua força.

Leio Ana Cristina César.

Penso no branco descrito por Ana e entendo que não há nada para descrever olhando-se para o branco, porque tudo de repente está ali. Essencialmente tudo é dito com mínimo – o branco – a soma de todas as cores. A fluidez poética de Ana C. é um rio violento que passa por baixo das palavras. É como a correnteza das águas profundas de um rio escuro, gelado, silencioso, que leva consigo a decisão de uma outra poeta num outro lugar, muito antes, bem longe. Essas outras águas também são herméticas e arrastam junto perguntas sem resposta, a inquietação concentrada num ato único e derradeiro. Esse rio leva folhas, arrasta troncos e por vezes também os poetas.

Virgínia Woolf está entrando no rio.

Caudaloso o curso dessas águas. Pesado, profundo, escuro. Virgínia está entrando numa câmara escura, porém líquida, cheia de perguntas que ficarão para nós. Traz consigo pedras nos bolsos do seu casaco, e as pedras – todos sabemos - às vezes não têm cor, são escuras, lisas, nulas, e de tão minerais quase etéreas. São lentos os passos de Virgínia, e leves. Dissipam-se no ar, pisam na água, afundam, depois somem, e vão ficando escuros, depois cinza, matéria, sonho, delírio, branco. Fico imaginando que teria sido branca a última página abandonada por Virgínia, como brancas são todas as derradeiras páginas. O branco poético de Ana.

O mesmo branco de Sílvia Plath.

Cinzento. Indefinido. Organizado. Impossível dizer que é branco o gás transparente que vêm da cozinha da casa de Sílvia Plath. Posso, contudo, imaginar que a página que deixou sobre a mesa tinha algo escrito, e debaixo dessa profusão de imagens, uma folha em branco que perturba e nos faz perguntar o que ela teria escrito ali. Sílvia não voltou da cozinha, não escreveu naquela folha branca. Branca como a vida.

Sentado, meu esforço é imaginar o que essas mulheres tinham em comum, e a resposta de antemão já não me interessa mais. Nada de respostas. Quero o branco. O mudo convite. Busco aquilo que poderia estar escrito na última página, aquela folha que não foi escrita, ficou para depois e não foi escrita, esperando talvez que elas retornassem de seus sonhos, voltassem da janela, do rio, da cozinha e, sentadas, calmamente, pedissem um chá e enfim as preenchessem.

5 ComentÁrios:

Anonymous Anônimo said...

Edgar, caríssimo!
que belos textos! E este, sobre A.Cristina, Virgínia Wolf e Sylvia Plath - adoro as três - está compreensivo, empático, elegantemente dramático. Parabéns. Já coloquei o blog entre meus favoritos,
carinho,
Valesca

segunda-feira, 13 novembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Putz, muito bom, Ed. Muito bom!

terça-feira, 14 novembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Branco suave
Perfume de ranhuras mínimas, Quentes, lisas Delicadas...brancas, brandas
Candura, raiva, puro, amor
branco.

quinta-feira, 22 março, 2007  
Blogger Edgar Aristimunho said...

Fiquei pequeno ao lado desse poeta anônimo que deixou uma peça tão linda....
Lindalindalinda

sábado, 24 março, 2007  
Blogger Dani said...

imagino as três, Ana, Virgínia e Sylvia, reunidas!

poesia na potência máxima.

ótimo texto, Ed.

quinta-feira, 26 maio, 2011  

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