segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Tatuíra Perdida


As companheiras de areia sempre lhe diziam para não sair por aí, atrás de histórias, percorrendo mundos, girando moinhos. O mais seguro era ficarem todas enterradas na beira da praia, unidas, em constante movimento, sincronizadas com a arrebentação onde o alimento é farto e garantido. Ela era diferente. Insistia que precisava ir mais uma vez; gostava daquilo, sempre aprendia algo novo, e depois contar tudo para as outras era a grande vantagem disso tudo.

Insistiu, e foi.

A noite estava tentadora. Tinha chovido à tardinha, a areia ainda estava fofa, o piso levemente encharcado, propício. O caminho era longo, sabia que não poderia perder o rumo, e não era difícil encontrar a direção, aqueles bichos são tão grandes, peludos, gesticulam, falam alto, dão risadas, fazem barulho. Gosta quando chega lá e encontra logo a entrada. Fica no alto.

Sobe sempre pela lateral, escolhe um lado e entra pelo que chamam de pavilhão. Até que eles estranham um pouco, coçam, enfiam o dedo, remexem, mas nada disso perturba a entrada e nem tampouco o rumo da história, e ela entra, e a história continua. Depois dali o caminho fica livre. Arranhando as patinhas pelo chão ramificado ela avança até chegar ao centro de tudo.

Chegando lá, o importante é concentrar-se no que está sendo contado. De dentro, sabe, fica bem melhor de entender as histórias narradas por este homem, o pai que está sentado no banco da praça de um pequeno balneário e gesticula enquanto conta a história da Super-Pulga para seus filhos. Estavam na parte em que a Super-Pulga (ainda uma pulga) entra no laboratório do rato cientista-maluco que quer dominar o mundo, onde neste momento realiza um teste com um cão no qual este é submetido a níveis de radiação capazes de lhe dar enormes poderes. Sem saber, o raio atinge o pequeno inseto que estava sobre o pêlo do animal, transformando a pulga numa poderosa benfeitora na luta contra a opressão dos grandes animais peludos.

Curiosa, nossa visitante desconcentra-se alguns instantes e resolve olhar para o lado, e no meio da massa cinzenta reconhece outras histórias que acompanhara dias atrás, em noite de leitura na praça. Num descuido, porém, cai entre uma história infantil e outra e fica presa ali, enquanto as peripécias da Super-Pulga vão sendo contadas nos seus mínimos detalhes, sempre com muitos gestos e risadas pontuais.

Cheio de histórias lá dentro. Não sabe como sair. Caminha de um lado para o outro, os lugares e as personagem se embaralham, cruza o final de uma com o início de outra, ora ingressando no meio da história, ora saindo, depois dentro, depois fora, até que se vê perdida no meio da sede da inteligência desse homem que gesticula. Então caminha, lhe ensinaram isso.

Testa franzida, olhar fixo dos questionadores, o filho maior pergunta por que em toda história que o pai conta sempre aparece tatuíras.

5 ComentÁrios:

Anonymous Anônimo said...

Genial, Ed. Muito bom. O final, então, é um primor. Obrigado pela visita lá no blog. Sinta-se à vontade para fazer o link. Estou te "lincando" por lá também. Grande abraço!

quinta-feira, 09 novembro, 2006  
Blogger Vinícius Mariano said...

hahahaha
porque?
porque?
porque?
muito bom!
criança é uma fonte!

segunda-feira, 13 novembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Oi cumpadre,

Que bom ser personagem da tua vida. Somos todos tatuíras, ou seja, tua história tem o melhor mérito, é universal.

Grande abraço saudoso.

Clau

quarta-feira, 22 novembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Este teu texto me lembrou um que eu escrevi no meu blog... Dá uma olhada... http://janispoa.spaces.live.com/blog/cns!2BB03457C6002670!220.entry

sexta-feira, 24 novembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Meu link não funcionou... O nome do post é "Peripécias de uma Tatuíra", publicado em 02/10/06. Bjus, Mônica

sexta-feira, 24 novembro, 2006  

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