domingo, 24 de setembro de 2006

Um pedaço inteiro de vazio

Na fila da casa de carne, fico parado, pensando na vida. A fila é longa; tudo isso vai demorar muito. Paciência. Tenho tempo até eles chegarem. E eles sempre vêm. Domingo é dia de churrasco, e não tem jeito: sou eu quem compra a carne.

Vazio. Acabo sempre comprando a mesma carne: um pedaço inteiro de vazio. Não sei se é pelo insólito e curioso nome que tem esse corte do gado, ou se é pelo que a palavra me evoca, no momento, mas o fato é um só: encarregado do churrasco, compro sempre o mesmo tipo de carne.

Vazio.

Tudo que a palavra me evoca, lembranças, as coisas que ele me faz pensar, recordar, viver de novo, como se existissem para sempre, ali, parado na fila da compra de carne como se fosse mesmo eu o gado a ser abatido, tamanho o meu abatimento. Sim, fico assim, lembrando os finais de semana que costumávamos nos encontrar, pessoas, coisas ditas, palavras sem sentido..... O vazio de estar rodeado de gente e sempre alheio a tudo, a todos, as pessoas me perguntando: "o que você tem?". A festa, aqueles encontros em família cheio de motivos mas sempre em torno do churrasco de vazio, às vezes picanha, um pedaço de maminha.... Os nossos churrascos. Aquela fartura de gente, de carne, hoje, aqui nessa fila, são somente ondas, vagas lembranças no empapado das areias de uma onda que bate em mim. Engraçado pensar isso, mas o vazio é a carne que mais me lembra coisas, pessoas, eventos, e é muito estranho que a chamem assim – vazio - nunca entendi o porquê – mas a verdade é que esse tipo de carne me evoca muitas coisas. Algumas pesados. O vazio pesa.

Agora, ali sozinho, na fila.

Todos os domingos a mesma coisa. Peço sempre um quilo e meio de vazio. Levo para casa. Preparo tudo. Monto a mesa, pratos, talheres, guardanapos. Espero. Gosto de esperar bastante. Não temos hora para começar. E depois que tenho a certeza de que ninguém virá – todos morreram, afinal – eu asso e como sozinho todo aquele vazio. Estufo depois, e durmo a tarde inteira.

A fila anda. O homem do balcão me chama.

5 ComentÁrios:

Anonymous Anônimo said...

No fim das contas a única coisa q realmente o preenchia era o vazio!

segunda-feira, 25 setembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Tu tá com uma mania de morte heim!! Cruz credo.

terça-feira, 26 setembro, 2006  
Blogger quasechuva said...

o título é ótimo (queria ter pensado nesse antes de ti)
não gosto mto da morte de todos, não pq eu não goste de morte, mas pq eu penso que um titulo desses e a relação com a carne, mereciam meeeeesmo um final melhor, mais lapidado, tu sabe, na vida e na literatura é sempre mto facil matar todos pra resolver os problemas hehehehehe

quarta-feira, 04 outubro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

(...) A fila anda. O homem do balcão me chama e eu digo: um pedaço inteiro de vazio. Ele pergunta:da parte de dentro ou da parte de fora ?

quinta-feira, 26 outubro, 2006  
Blogger Edgar Aristimunho said...

eheheheheheh

Os leitores já estão mexendo no final da história. Eis um blog aberto.

Ótimo!

sexta-feira, 27 outubro, 2006  

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