domingo, 19 de novembro de 2006

Sistema Operacional

CRÔNICA ESPORTIVA DA SEMANA

Os privilégios do futebol amador. Um deles, este: não é preciso escrever a crônica sobre o jogo no dia seguinte à partida. Pode-se esperar. O futebol amador não tem pressa. Por isso a distância que separa esta coluna do jogo de quinta-feira não é assim tão desesperadora como seria para a crônica esportiva altamente especializada. Essa liberdade é que me permite comentar, hoje, o jogo de três dias atrás. Os fatos. O acontecimento único que foi aquela partida, aqui relatada na estranheza que define o próprio perfil dessas “crônicas esportivas”. Escreverei sobre o nada – nunca acontece nada no futebol amador. Tudo são invencionices, delírios da mente de um goleiro-cronista que vê o jogo como um subterrâneo de lembranças e anotações. Eis aqui as “Memórias do Subsolo” do jogo de quinta-feira.

Mas que jogo? Começo com essa pergunta e ela é sempre pertinente. Não acontece jogo nenhum às quintas-feiras, quando nos reunimos, doze ou catorze heróis da resistência, e rolamos a bola durante pouco mais de uma hora. Não, definitivamente, aquilo não é um jogo; é uma ocorrência, um acaso. Vivemos ali qualquer outra coisa – exercício coletivo, encontro de amigos, estados vivos da alma, vivência, delírio, incompreensão – qualquer coisa menos “jogar futebol” no sentido estrito da palavra. A expressão é forte, responsável demais. Jogamos bola, sim, mas de uma forma leve e despretensiosa; corremos é certo, isto logo se vê; gols acontecem, por vezes jogadas brilhantes; mas não é um futebol institucionalizado, time “de uniforme”, nada disso. É apenas humano aquilo tudo – demasiado humano. Como qualquer outra modalidade esportiva – menos, é claro, o tiro ao alvo que eu me recuso a considerar “esporte” – o futebol é sofrimento, é dúvida, é negação. Escreveu Dostoievski que “o homem nunca se recusará ao sofrimento”, e esse me parece ser o móvel que impulsiona os meus amigos em campo. A gana de jogar uma pelada com a parceria, camaradagem. Sim, aqueles que jogam comigo toda quinta trazem consigo esta motivação: o sofrimento. O jogo é sofrível, por vezes; entendendo-o assim absorvemos com mais facilidade o seu componente humano. No fundo, isso é o que interessa.

Então nessa última quinta-feira, quando excepcionalmente convidamos um outro time para jogar (uma turma da Informática), eu entrei em campo mais uma vez com aquela idéia fixa. Acontece sempre. Eu começo a jogar e fica impossível de separar o jogo que estou vendo diante de mim, da goleira, onde jogo, daquelas manifestações humanas mais elementares: a força, a garra, a disciplina e a determinação, o objetivo comum em prol de resultado a ser conquistado em campo. Fascinante. E se estou me lembrando somente dos aspectos positivos, hoje, é porque nada disso aconteceu em campo, quinta. O jogo foi uma zorra, taticamente falando. Eu vendo o time adversário jogar, pensando coisas absurdas tais como: qual o processador que eles tinham trazido para nos ganhar; qual a memória disponível (sim, a maioria deles não guardou posição); enfim, que seqüência de comandos eles pensaram em executar para ganhar a partida? Acabaram perdendo o jogo – o goleiro ajudou. Sempre ele. Também eu ajudei, do meu lado, deixando o jogo ficar parelho a certa altura da partida. Ou joguei mal mesmo. O fato é que ganhamos – e para os que querem saber dos fatos foi assim: com a ajuda do guarda-metas. E creio que aconteceu porque de repente o goleiro deles não estava gerenciando os dados da melhor maneira possível, tão em desarmonia que estava com o ritmo frenético de nossos atacantes, os impiedosos, que não tiveram muito trabalho para marcarem os gols.

Comigo, do outro lado do campo, a pergunta: qual teria sido o sistema operacional utilizado por aquele goleiro?

Lento, parecia um daqueles jurássicos três-oito-meia.

Porto Alegre, 19 de novembro de 2006.

3 ComentÁrios:

Blogger Rogério B. Alves said...

Estou colocando o meu hardware à disposição de vocês (das 19h em diante). Estou mais para um hard disk que corre normalmente mas vezes tranca. Um abraço.

quinta-feira, 30 novembro, 2006  
Blogger Edgar Aristimunho said...

Eheheh
Já tenho a escalação em mente:
Gol: O Security, O Firewall
Zaga: Hard Disk e Anti-vírus...
Meio: O Processador,a Memória (alguém tem que guardar posição)
Ataque: Hacker.
...e por aí vai

Jogamos às quintas, 21h30. Estou inscrevendo o teu nome para a próxima.
Abç,
Ed.

sexta-feira, 01 dezembro, 2006  
Blogger Guto Melo said...

"Escreverei sobre o nada – nunca acontece nada no futebol amador"
Tudo isso aconteceu e você diz que tudo isso não é nada?

sábado, 02 dezembro, 2006  

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