quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Psicologia


Estava na hora de ligar para Mônica, saber se ela estava disponível naquele dia; me disse que ainda tinha horário vago para consulta, mas não gostou do telefonema em cima da hora. Explicou-me que não gostava de receber clientes tão tarde, eram regras, todo profissional deve ter regras, estava abrindo uma exceção. Cliente antigo tem seus privilégios.

Mônica é a cara da Psicologia. Enigmática. Silenciosa. Manhosa em suas formas e perguntas. Meus familiares não aprovariam suas técnicas, chamá-la de terapeuta e nossa conversa de tratamento seria demais para eles. Mas eles não conversam comigo há anos. Mônica. Ligo e não pronuncio seu nome, só "doutora, doutora"; ela não gosta, me disse isto outro dia. Prefere que eu evoque o seu lindo (e sonoro) nome de batismo; dispensa em absoluto os títulos que a ciência lhe concedeu após anos e anos de estudo, ainda que, segundo ela, tudo fora em vão. Na informalidade do tipo de tratamento proposto por ela – sua técnica de análise – , o ser humano pode ser explicado em seu funcionamento terreno, atos e falas, nada de culpa ou castigo. Para mim, a Psicologia de Mônica sempre ajudou; fico aliviado quando juntos fechamos o palco de seu consultório improvisado.

Chego em busca do meu anjo da guarda, ela está ali parada no mesmo lugar de sempre feito uma imagem. Nas curtas palavras em que ensaiamos nosso encontro, vejo em seu rosto a calma de quem sabe o que faz, que pode demorar mas o paciente sempre volta. Dali partimos para a luz que nos espera, onde poderei encontrar um pouco de paz, de aconchego, de carinho e conforto; às vezes quase durmo nas sessões tamanho o relaxamento da prosa de Mônica. Entramos juntos, o espaço é amplo e pouco ornado. Sento na poltrona do canto, espero que ela faça tudo que precisa, vai me deixar esperando um pouco, depois puxar conversa, perguntar o que está me deixando aflito esta semana; Mônica sempre pergunta muito. Tem dias em que me sento e só eu falo, ela me ouve, não mexo nenhum músculo, ela fica estática, e do alto ouve o meu canto improvável. Minhas dúvidas são existenciais, Mônica sabe, não me diz mas sabe que são de difícil reparação. Sinto que há sinceridade na sua fala, vejo pelo sorriso a brotar naquela superfície macia, seu rosto refletido no espelho lateral, enquanto vou desenhando nesse mosaico um olhar de sofredor; depois tudo se transforma em riso, deboche, gargalhada, e ficamos assim, um longo tempo um olhando para o outro... Sempre queimo a hora por causa disso, minha terapeuta diz que isso não é muito profissional de nossa parte; ela não entende porque faço isso, não admite que uma pessoa pague tanto para não chegar a lugar nenhum. Me diz que é insensato ficar como ficamos, prostrados, falando, depois rindo, daí levanto, estou pronto, posso ir embora... Ali dentro tudo é luz.

Antes de sair, pago; é o nosso acordo. Faço isso e volto a cabeça para me deitar mais uns minutos. Relaxar. Lembrar a importância das coisas deixadas numa cadeira ou cabide. O mundo que ficou lá fora, onde ninguém me ouve ou atende. Olho para o alto, e as luzes são o testemunho de tudo que aconteceu aqui. Acenam para mim, acesas, brilhantes, um brilho de cores cintilantes refletidas no conjunto de espelhos no qual o meu mundo gira por alguns instantes. Mônica desmancha minhas ilusões ao apanhar o dinheiro e me dizer, ainda deitada, que vai usá-lo para pagar uma conta, talvez viaje para a praia no feriado, a vida continua, semana que vem tem mais. Diz isso e enquanto se vira de lado para recebe os últimos sinais da brisa que vem do aparelho de ar-condicionado, sinuosidade artificial que resfria nossos corpos, duplicados como estão, lá no alto, onde o grande espelho da alma revelara, uma hora atrás, os movimentos de carinho e compreensão de Mônica.

1 ComentÁrios:

Blogger quasechuva said...

esse é tu dado ao mundo.
tu delicadamente entregue.
assim é arte e presente.

quinta-feira, 15 fevereiro, 2007  

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