Uma Porta de Rancores
Um alívio foi quando aquela porta se fechou num zás e ele entrou no carro, o calor da rua ficando para trás, o bafo do início da tarde, suor descendo pela camisa, o verão, um mundo lá fora lhe esperando vivo e alegre e a dona Cleide, sua chefe no escritório, apenas lhe incomodando com tarefas ridículas. Aquilo sim era legal. Trabalho na rua. Rudinei entrou no táxi, bateu a porta e deixou a importância das coisas para trás. Numa sala fechada.
Um pouco antes, aí pelas duas horas da tarde, veio a notícia. Um serviço urgente na Zona Leste solicitado por um cliente da firma. Serviço de rua. Longe da pressão diária dos papéis e fotocopiadoras, dos cafés solicitados repetidas vezes, todo mundo lhe pedindo pequenos trabalhos absurdos, faz isso, traz aquilo, corre Rudinei, vem logo. Sai eufórico do edifício comercial onde trabalha, corre até o ponto de táxi mais próximo como se estivesse saindo de férias para Acapulco. É raro algo assim acontecer no seu dia de trabalho, e a empresa só paga a condução luxuosa quando é preciso urgência. Para ele, pouco importa a pressa, ou trabalho a fazer, apenas o consolo: serão trinta minutos de ar-condicionado. Pelo menos na ida, sabe disso, pode ir de táxi; na volta, a ordem é economizar. Conseguirá evitar, na ida, aquele cansaço morrinhento provocado chacoalhar das aglomerações coletivas que viajam nos ônibus lotados. Um alívio, esse trabalho.
O carro de praça ele escolheu a dedo. Está perfeito, do jeito que gosta: motor potente, carro do ano, o painel brilhando, bancos estofados, tudo limpinho, convidativo. Ao entrar no táxi, o cheiro gostoso de algo novo lhe envolve, ao mesmo tempo em que a pureza do ar refrigerado traz uma brisa feita de ondas suaves que lhe provocam alívio no instante em que entra no carro. Dentro o silêncio das janelas fechadas.
Espera a pergunta, ela não vem. Só então resolve olhar o motorista para lhe dar a direção, o destino. Ao virar, choca-lhe o rosto cansado do outro. Logo percebe a quantidade de horas não dormidas. Rudinei tem um tio taxista e sabe que eles trabalham durante horas e horas sem largar a direção, viram a noite, atravessam esse mar de carros, circulando pelo mormaço que faz na cidade, esse inferno, asfalto quente, enfrentando a ferocidade dos outros condutores. O motorista não diz nada.
O silêncio fez-se total desde então. Rádio desligado, motor silencioso, o mundo rodando lá fora em imagens rápidas, borradas. Apenas freadas bruscas, sinais, buracos, buzinas. A cidade. Ao seu lado, feito pedra, mineral estático, o rosto do motorista lembra uma rocha dura embrutecida, aspereza que Rudinei também vê pela janela quando passam próximo a um canteiro de obras: o barulho ensurdecer das máquinas fica lá fora, e o rosto do operário da construção civil que pára para olhar o rapaz que vai de táxi é tão assustador como o do condutor. Dentro do carro tudo é silêncio.
Seguem assim. Os dois não conversam durante toda a viagem. Rudinei, o contínuo, sente o peso do ar, ele muda. Não consegue entender como o conforto interno proporcionado pelo ar-condicionado não deixa o taxista à vontade. Então decide olhar pra frente, pra rua, esquecer o mau-humor manifesto pelo motorista. Mas não consegue – num impulso tenta uma conversa e recebe o vento seco e árido de uma pergunta qualquer:
- Dobro aqui?
Eram pedras rolando no abismo, a pergunta. Respondeu, sem olhar fez que sim, nem se virou. A partir daí, Rudinei silenciou. O táxi já não lhe parecia tão confortável, de dentro brotando um cheiro enjoativo de coisa nova misturada ao perfume indefinido do motorista, o sujeito que ia impávido ao seu lado, reagindo de tanto em tanto apenas quando alguém vinha lhe tomar a frente – então ele buzinava. Chegando ao destino, Rudinei pagou sem olhar para o outro. Desembarcou. Uma repulsa percorrendo seu estômago, subindo pela garganta, vontade de vomitar, o braço pesado, a mão firme batendo a porta do veículo com uma violência que não condizia com seu estado inicial, meia hora atrás, na partida.
O motorista baixou o vidro e gritou:
- Não bate muito senão ela não abre da próxima vez.
Um pouco antes, aí pelas duas horas da tarde, veio a notícia. Um serviço urgente na Zona Leste solicitado por um cliente da firma. Serviço de rua. Longe da pressão diária dos papéis e fotocopiadoras, dos cafés solicitados repetidas vezes, todo mundo lhe pedindo pequenos trabalhos absurdos, faz isso, traz aquilo, corre Rudinei, vem logo. Sai eufórico do edifício comercial onde trabalha, corre até o ponto de táxi mais próximo como se estivesse saindo de férias para Acapulco. É raro algo assim acontecer no seu dia de trabalho, e a empresa só paga a condução luxuosa quando é preciso urgência. Para ele, pouco importa a pressa, ou trabalho a fazer, apenas o consolo: serão trinta minutos de ar-condicionado. Pelo menos na ida, sabe disso, pode ir de táxi; na volta, a ordem é economizar. Conseguirá evitar, na ida, aquele cansaço morrinhento provocado chacoalhar das aglomerações coletivas que viajam nos ônibus lotados. Um alívio, esse trabalho.
O carro de praça ele escolheu a dedo. Está perfeito, do jeito que gosta: motor potente, carro do ano, o painel brilhando, bancos estofados, tudo limpinho, convidativo. Ao entrar no táxi, o cheiro gostoso de algo novo lhe envolve, ao mesmo tempo em que a pureza do ar refrigerado traz uma brisa feita de ondas suaves que lhe provocam alívio no instante em que entra no carro. Dentro o silêncio das janelas fechadas.
Espera a pergunta, ela não vem. Só então resolve olhar o motorista para lhe dar a direção, o destino. Ao virar, choca-lhe o rosto cansado do outro. Logo percebe a quantidade de horas não dormidas. Rudinei tem um tio taxista e sabe que eles trabalham durante horas e horas sem largar a direção, viram a noite, atravessam esse mar de carros, circulando pelo mormaço que faz na cidade, esse inferno, asfalto quente, enfrentando a ferocidade dos outros condutores. O motorista não diz nada.
O silêncio fez-se total desde então. Rádio desligado, motor silencioso, o mundo rodando lá fora em imagens rápidas, borradas. Apenas freadas bruscas, sinais, buracos, buzinas. A cidade. Ao seu lado, feito pedra, mineral estático, o rosto do motorista lembra uma rocha dura embrutecida, aspereza que Rudinei também vê pela janela quando passam próximo a um canteiro de obras: o barulho ensurdecer das máquinas fica lá fora, e o rosto do operário da construção civil que pára para olhar o rapaz que vai de táxi é tão assustador como o do condutor. Dentro do carro tudo é silêncio.
Seguem assim. Os dois não conversam durante toda a viagem. Rudinei, o contínuo, sente o peso do ar, ele muda. Não consegue entender como o conforto interno proporcionado pelo ar-condicionado não deixa o taxista à vontade. Então decide olhar pra frente, pra rua, esquecer o mau-humor manifesto pelo motorista. Mas não consegue – num impulso tenta uma conversa e recebe o vento seco e árido de uma pergunta qualquer:
- Dobro aqui?
Eram pedras rolando no abismo, a pergunta. Respondeu, sem olhar fez que sim, nem se virou. A partir daí, Rudinei silenciou. O táxi já não lhe parecia tão confortável, de dentro brotando um cheiro enjoativo de coisa nova misturada ao perfume indefinido do motorista, o sujeito que ia impávido ao seu lado, reagindo de tanto em tanto apenas quando alguém vinha lhe tomar a frente – então ele buzinava. Chegando ao destino, Rudinei pagou sem olhar para o outro. Desembarcou. Uma repulsa percorrendo seu estômago, subindo pela garganta, vontade de vomitar, o braço pesado, a mão firme batendo a porta do veículo com uma violência que não condizia com seu estado inicial, meia hora atrás, na partida.
O motorista baixou o vidro e gritou:
- Não bate muito senão ela não abre da próxima vez.
Um ódio nos olhos de Rudinei.
1 ComentÁrios:
Rudinei bem que podia ter economizado a grana do táxi.
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