Residencial das Jardineiras
Sentados no amplo pátio carregado de amendoeiras, jacarandás, cercado por um muro branco, dentro do qual enormes bancos enfileram-se ao lado de grupos de roseiras simetricamente plantadas, ao fundo das quais se vêem andadores espalhados pelos cantos e vielas, dois senhores estão conversando um de frente para o outro. Encontram-se ali desde o início da tarde, ficaram para trás, todos entraram, hora da janta, permaneceram ali atirados em devaneios, um longo tempo pousados, espraiados, esperando mais um dia que cai, um corpo, quem sabe a tarde morrer, num ato, num átimo, um pedaço de fim de tarde visto de esguelha pelas vidraças do casarão; os dois estão ali amarrados ao tempo, jogando conversa fora, feito folhas avulsas caídas ao chão, essas que agora insistem em cobrir o grande terreno do pátio interno dos fundos. Conversam com a calma dos anos. Sabem que não há pressa aqui nesse lugar, tempo não é o problema no Residencial das Jardineiras. Alberto está falando. Conta sua história a Guilhermino, colega de quarto há 15 anos. Fala de um passado glorioso, cheio de floreios, riquezas e desimpedimentos; fala da liberdade de sonhar e voar. O outro lhe interrompe:
- Com tanto dinheiro, como vieste parar aqui, Alberto?
Demora na resposta, e como se estivesse criando um suspense fica remexendo a velha dentadura de um lado para o outro. Os movimentos externos são calculados, nobres, bastante lentos, um círculo que se levanta no braço para dizer:
- Esse bairro, veja, tudo isso já foi da nossa família. Vendemos, dividiram tudo, meus filhos foram para longe, multiplicaram tudo, um mora no exterior.
Fica olhando as folhas no chão que a brisa ocasional desta tarde insiste em remexer. Silêncio. Cortado pelo grita de alguém que diz: está na hora do remédio. Continua falando:
- Gente com muito prestígio, lá em Minas, sabe...
- Nunca vi eles te visitarem – interrompe o outro.
- Sabe como são os filhos... Deixam a gente aqui. Mas não guardo remorso, tenho muito orgulho deles, das empresas que eles criaram em...
- Diz o nome de uma – a voz sua Guilhermino lhe corta o pensamento.
- Não incomoda, velho chato, deixa eu terminar o que estou dizendo. Como era....? Sim, Paula, minha filha mais nova. Reitora em Goiânia.
- Não era Minas?
- Minas, certo, Minas Gerais. Não, ela é Reitora da Universidade do Pará.
- Espera, Goiânia fica no estado de Goiás!
- Você sempre atravanca o meu raciocínio, Guilhemino. Larga dessa mania tola.
- Nunca vi eles te visitarem – interrompe o outro.
- Sabe como são os filhos... Deixam a gente aqui. Mas não guardo remorso, tenho muito orgulho deles, das empresas que eles criaram em...
- Diz o nome de uma – a voz sua Guilhermino lhe corta o pensamento.
- Não incomoda, velho chato, deixa eu terminar o que estou dizendo. Como era....? Sim, Paula, minha filha mais nova. Reitora em Goiânia.
- Não era Minas?
- Minas, certo, Minas Gerais. Não, ela é Reitora da Universidade do Pará.
- Espera, Goiânia fica no estado de Goiás!
- Você sempre atravanca o meu raciocínio, Guilhemino. Larga dessa mania tola.
Parado na grande porta que dá acesso aos fundos, o enfermeiro grita:
- Hora do remédio, Seu Alberto. Já passou da hora.
Enfastiado com a interrupção do encarregado, ele resmunga:
- Nunca deixam eu contar minha história até o fim.
Levanta. O povo lhe aclama das galerias, depois da posse. Um contrato de compra e venda com enormes cifras cruza à sua frente, assina. O recorde estadual de natação foi batido, alguém lhe diz. A bela e jovem Mortágua coloca sua mão no joelho, uma seda, folha seca jogada ao chão, delicada. No colégio a professora Tânia diz que ele será um grande orador, um lindo texto Alberto. O pai, lembra que deixou o velho num pensionato quando completou setenta anos, não precisava.
Levanta muito rápido, cai.
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