O Homem do Box
Chega ao lugar carregado por duas pessoas, que rápidas empurram o inconsciente do seu destino. Traja neste momento roupas mínimas que lhe puseram horas atrás, em outra sala clara; foi lá que a viu pela última vez e agora ela é a única imagem que gostaria de ter ao seu lado. Vem deitado, o corpo esticado, absoluto, imóvel, ainda passivo e carente de uma pulsação que se considere vida. Seu estado indefinido de vegetal lembra os seres inanimados, as loucuras e desatinos que povoaram muitas de suas histórias, mas tudo que escreveu pouco importa agora, pois sente a necessidade de um toque. Dela. O estímulo próximo que lhe permita continuar pulsando, reanimado que foi, instantes atrás quando em outra sala iluminada mãos peritas lhes retiraram de um caminho sem volta. Agora, ali deitado, ele chega carregado de tubos, agulhas e outras aparelhagem desconhecidas. Seus movimentos são lentos. Este homem está entrando no box.
O movimento ao seu redor tem a velocidade estranha dos incompreendidos, a náusea dos que se consideram desmaiados, alheios à totalidade dos eventos que cercam o seu destino, até ali incerto, agora seguro. Nas mãos condutoras, decididas e firmes das moças que vestem roupas brancas, ele vem sendo trazido em tal rigidez absoluta e necessária que não consegue perceber, mas ele chega. Deixam-no estacionado no pequeno box, o espaço restrito e individualizado onde sua dor e inconsciência serão observados pelo tato dos especialistas, que sintonizados pelos ditames rígidos e peremptórios dos aparelhos monitorados por tubos, cabos, fios e uma infinitude de tecnologias que ele desconhece, acompanharão sua agonia. Dirigem-lhe perguntas, ele não consegue responder. Esse homem está deitado no minúsculo espaço de sua angústia, onde, ainda não sabe, ficará o tempo exato de dois dias.
Minutos depois, a descoberta. Seus olhos, a passos lentos, abrem-se ao desconhecido deste espaço destinado à observação dos que precisam ser observados. Ele olha. Ao seu redor, luzes numa quantidade excessiva. Pensa na crueldade desta simples descoberta: do espaço em que se encontra. Um mundo estreito, restrito, compacto, onde cabem tão somente o seu leito e os tantos aparelhos que monitoram o seu desconforto. Sua sensação de isolamento é completa e não consegue ser amainada pelo toque dos eletros, nem pelos batimentos cardíacos e respiração artificial observáveis. As luzes desse palco trazem-lhe a memória do sofrimento. A solidão é dura porque as máquinas são frias, os bipes sucessivos e os pensamentos intermitentes: tal é o estado de sua confusão mental para entender o que lhe acontece. E pouco interessa que ao seu redor o movimento das equipes e seus auxiliares seja ininterrupto, preciso e determinado; que pelos corredores deste palácio de tecnologia científica escute-se a certeza dos sons que marcam o estado das coisas inanimadas; e que em outras salas outras tantas angústia e indefinições estejam a pesar nos corações daqueles que sabem que não podem sair daquele centro de recuperação; seu estado é grave; estar sob os cuidados daquela sala cheia de aparelhos dá essa certeza nefasta ao homem do box.
E quando noutro dia, em outra hora, bem adiantado na compreensão da melodia triste do seu fado e já desprovido de tantos aparelhos e excessivos cuidados profissionais, quando ela entrar por aquela única porta, o mundo ficará amplo, caberá em passeios, viagens, fotografias em preto e branco de momentos que viveram juntos, noutro tempo, em outro espaço. Sua angústia então se dissipará no instante em que aquela mão finória percorrer a sua como quem toca uma natureza morta na qual sentimos pulsar vida, feita de caminhadas de mãos dadas, assentos, vôos, hotéis, lugares outros que agora, ali, com a sua chegada a mente desse homem vaga, e docemente vive no precário sorriso que se forma em seu rosto.
O movimento ao seu redor tem a velocidade estranha dos incompreendidos, a náusea dos que se consideram desmaiados, alheios à totalidade dos eventos que cercam o seu destino, até ali incerto, agora seguro. Nas mãos condutoras, decididas e firmes das moças que vestem roupas brancas, ele vem sendo trazido em tal rigidez absoluta e necessária que não consegue perceber, mas ele chega. Deixam-no estacionado no pequeno box, o espaço restrito e individualizado onde sua dor e inconsciência serão observados pelo tato dos especialistas, que sintonizados pelos ditames rígidos e peremptórios dos aparelhos monitorados por tubos, cabos, fios e uma infinitude de tecnologias que ele desconhece, acompanharão sua agonia. Dirigem-lhe perguntas, ele não consegue responder. Esse homem está deitado no minúsculo espaço de sua angústia, onde, ainda não sabe, ficará o tempo exato de dois dias.
Minutos depois, a descoberta. Seus olhos, a passos lentos, abrem-se ao desconhecido deste espaço destinado à observação dos que precisam ser observados. Ele olha. Ao seu redor, luzes numa quantidade excessiva. Pensa na crueldade desta simples descoberta: do espaço em que se encontra. Um mundo estreito, restrito, compacto, onde cabem tão somente o seu leito e os tantos aparelhos que monitoram o seu desconforto. Sua sensação de isolamento é completa e não consegue ser amainada pelo toque dos eletros, nem pelos batimentos cardíacos e respiração artificial observáveis. As luzes desse palco trazem-lhe a memória do sofrimento. A solidão é dura porque as máquinas são frias, os bipes sucessivos e os pensamentos intermitentes: tal é o estado de sua confusão mental para entender o que lhe acontece. E pouco interessa que ao seu redor o movimento das equipes e seus auxiliares seja ininterrupto, preciso e determinado; que pelos corredores deste palácio de tecnologia científica escute-se a certeza dos sons que marcam o estado das coisas inanimadas; e que em outras salas outras tantas angústia e indefinições estejam a pesar nos corações daqueles que sabem que não podem sair daquele centro de recuperação; seu estado é grave; estar sob os cuidados daquela sala cheia de aparelhos dá essa certeza nefasta ao homem do box.
E quando noutro dia, em outra hora, bem adiantado na compreensão da melodia triste do seu fado e já desprovido de tantos aparelhos e excessivos cuidados profissionais, quando ela entrar por aquela única porta, o mundo ficará amplo, caberá em passeios, viagens, fotografias em preto e branco de momentos que viveram juntos, noutro tempo, em outro espaço. Sua angústia então se dissipará no instante em que aquela mão finória percorrer a sua como quem toca uma natureza morta na qual sentimos pulsar vida, feita de caminhadas de mãos dadas, assentos, vôos, hotéis, lugares outros que agora, ali, com a sua chegada a mente desse homem vaga, e docemente vive no precário sorriso que se forma em seu rosto.
5 ComentÁrios:
Muito vívido, emotivo e instigante. A ambivalência propõe uma subtexto com muitas leituras. Parabéns! Valesca
O final é delicado e bonito!!! E que o final seja feliz sempre!!!
Feliz deste Homem, que, mesmo neste box, soube sair de dentro de si para ver que a sua vida dependia mais Dela do que Dele mesmo...
Ed disse...
Fico feliz com esses leitores de luxo, aí, acima, que de tanto mergulharem nas entranhas dos meus textos, olha-olha, daqui a pouco já estarão dentro, criando vida e mudando o rumo dessas histórias.
Agradável compania!
Abç,
para ler esse se precisa de uma garrafa de vinho no peito
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