quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Uma noite colorada

CRÔNICA ESPORTIVA DA SEGUNDA LIBERTADORES

Muito se vai ler sobre a segunda conquista da Taça Libertadores da América ganha pelo Sport Club Internacional na noite. Choveram textos exaltando qualidade, videntes garantindo que já sabiam do resultado, torcedores do coirmão afirmando que era jogo jogado, ganho, mas eu lhes garanto que a crônica esportiva, além de canalha, é repetitiva. Tire-se o nome do time vencedor, mude-se o título conquista, lugar, circunstância, tempo, e teremos um texto qualquer sobre mais um conquista – alguns se atrevem – qualquer. Para mim, o jogo é outro. O absurdo. Os detalhes. As simpatias. O talismã. Jogo é raça, combatividade, organização tática, grupo, talento individual e um pouco de sorte – alguns chamam coincidências. Ontem eu vi ondas ao meu redor – era a torcida. Ver o meu time ganhar a sua segunda Libertadores ontem, exatos quatro anos depois da primeira, foi um exercício de puro amor ao meu clube. Aos heróis da noite. Ao meu filho, o cara mais feliz após o apito final.
O jogo. Carregado de disputa e de simbolismo. Os convocados para a noite de ontem, os heróis colorados que nos igualaram em títulos continentais ao rival provinciano, tiveram uma longa noite até chegarmos ao 3 a 2 do placar que dava o título ao Inter. Noite para ficar na memória como um exercício literário de criação a partir de um fluxo do pensamento. As ondas, o brilhante e esquizofrênico texto de Virginia Woolf, bem poderia resumir o desespero de uma final que não estava ganha antes de iniciar. Pior: teve componentes de sofrimento. Ontem à noite no Estádio Beira-Rio tivemos de tudo um pouco: tivemos um goleiro que não foi exigido e que mostrou sua estrela cintilante pela escolha da cor da camisa num amarelo semáforo (Renan), tivemos um autêntico general libertador em campo (Bolívar), um guerreiro argentino (Guiñazu), um craque ao estilo de Falcão (Sandro), dois laterais participativos e nada depressivos de outros tempos (Nei e Kléber), tivemos um autêntico representante dos povos brasileiros (Índio), tivemos a solidez e a constância de um octopus de tantos braços e pernas e bandagens na cabeça (Tinga), tivemos ainda um craque impecável no toque da bola (D´Alessndro) e um atacante infernal e desinquieto (Taison), mas tivemos sobretudo e principalmente a presença de três talismãs colorados: Leandro Guerreiro, Rafael Sobis e Guiliano, reservas de luxo que entraram para decidir (Sobis no lugar de Alecssandro desde o início do jogo. De todos eles, Guiliano, para mim o craque do jogo, o pé-quente da campanha desta Libertadores, o homem que sempre entrava no segundo tempo para decidir o jogo (ontem não foi diferente), o goleador do campeonato e dono do gol mais bonito da noite de ontem, nessa que foi uma das partidas mais perfeitas que já assisti. Garra feita com talismã.
Vi o jogo com meu filho – e conosco a mãe dele e alguns amigos. Churrasco, cerveja, pomelo e chocolate; narradores, narrações, pulos, emoção; e muita ansiedade; torcida, gritos de Vamo, vamo Inter! e gritos de desespero e de alegria até o pulo e o abraço final: É campeão! Uma noite de aventura. Para o meu filho, um jogo como o de ontem foi uma conquista feita nos detalhes: do uniforme de treino em forma de capa, nos detalhes da escalação, passando pela torcida pelo demoníaco e destruidor guerreiro Guiñazu, até os pequenos acertos e simpatias (nossas) de qual a posição em que assistiríamos ao jogo, quais as camisas que vestiríamos, enfim, tudo foi pensado, sentido, vivido. Hoje, o título é nosso: do time e dos torcedores. A conquista da Libertadores se faz assim: com garra e técnica, com sorte e com objetos iluminados; e com jogadores de carisma e talento que entraram para definir.
Em casa, assistindo o jogo, foi como se tivéssemos em uma noite estrelada com seus lampejos de pura graça e euforia, que começou quando meu filho e eu fomos escolher o uniforme que poderia nos trazer mais sorte durante a partida. E então foi assim que aconteceu o caso da camisa verde colorada, aquele uniforme de goleiro que retirei do roupeiro e que expusemos na sala durante o jogo para trazer sorte (já tinha acontecido assim na semifinal). A camisa era um uniforme antigo usado do pelo goleiro André nos anos de depressão do futebol colorado (1999), e que ontem, muitos anos depois e como uma espécie de vingança a tudo, se impôs sobre outros mantos colorados de outras conquistas espalhados por nossa casa. Foi este o precioso talismã que deixou tudo limpo e iluminado nessa noite encantada. E exatamente como fizeram em campo Rafael Sobis, Leandro Damião e Guiliano, o objeto verde colorado foi o nosso talismã nessa noite iluminada.
Uma noite colorada.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2010.

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