Garagem
Eu queria ser a mulher de Paulo Afonso. Queria ser fosse só um
tantinho de um dia. Assim, mais especificamente hoje. Hoje, quando ao
acordar aí pelas nove da manhã eu avistei do outro lado da rua o
meu vizinho Paulo Afonso. Ele sempre fica preso em suas rotinas:
então ele abriu o grande portão de sua garagem e levou até sair
definitivamente de casa.
Que será que ele faz ali? Eu pergunto e não consigo entender aquele
homem. O meu vizinho entra no carro, abre a garagem e fica longo
tempo parado com o motor de seu potente carro ligado. Para que ele
faz aquilo? Fico a me perguntar porque fico tanto tempo observando o
meu vizinho, ele lá, sentado diante do volante, mãos fixas, pescoço
rígido, uma estátua, e só depois (muito depois) ele de súbito
arranca – e parte.
Se eu fosse a minha vizinha, a esposa do famoso Doutor Paulo Afonso,
eu ficaria preocupada. Seriamente preocupada! Afinal, aquele
comportamento já bastante agravado de nosso advogado criminalista
inspira cuidados; ainda mais pelo fato, notório, pelo menos notório
para mim que não arredo pé do janelão de minha casa, de que sei,
sei, tenho absoluta certeza, de que ele fica falando sozinho, talvez
no viva-voz do aparelho celular. E mesmo daqui, de longe onde estou,
eu posso ver nitidamente que além de nada ecológico, o meu vizinho
da frente deve ter algum tipo de negócio escuso. Drogas?
Contrabando? Mulheres? Isto. Deve ser alguma amante. Outra. Só pode.
Se eu fosse a vizinha da frente, a esposíssima chiquérrima do
famoso sócio majoritário do escritório herdado de nobre família,
se eu fosse ela eu cuidava melhor do meu homem, cujas posses a
vizinhança classe A deste bairro jamais se pergunta a origem do
dinheiro e a extravagância do modo de vida. Sinceramente, se eu
fosse ela eu daria mais atenção para o coitadinho do Paulo Afonso.
Parece tão sozinho hoje.
Sim, porque também não é todo dia que ele pode ligar
insistentemente e deixar tantos recados para sua amante. E ter tudo
que quer. Não todo dia. Se depender de mim, não.
Julho de
2017
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