As pequenas mentiras
Ligo para o amigo que está de aniversário numa dessas capitais litorâneas
de coisa nenhuma e digo:
– Estou escutando Elis Regina em homenagem ao amigo. E aí, como vão as
coisas nessa capital da fantasia? Muita saudade da província?
É uma pequena mentira, como seria mentiroso dizer que estou escutando
Elis Regina em comemoração aos seus 70 anos – mas eu pergunto o que é uma
pequena mentira quando um oceano de distâncias nos separa? Quando não há nenhum
equívoco em dizer que já estamos separados a um tempo tão longo e distante que
eu nem lembro mais o seu nome. Lembro passeios, encontros, conversas, sonhos, desentendimentos,
aquela circunstância que eu sempre crio de ficar longe do fato de estar bem
perto de ficar cada mais longe, este círculo:
Ele me perguntando:
– Que surpresa é essa se... se não nos vemos há tanto tempo, não é mesmo,
José?
Eu grudado ao aparelho, neste linha frágil que nos unia, a dificuldade de
continuar aquela conversa, levar adiante tanta ironia, toda essa poesia que sempre
foi o forte dele, enquanto dentro de mim jogo, subterfúgio, espelhamento, vazio.
As pequenas mentiras.
A primeira delas: a de acreditar que estou conversando com alguém, que
estou aqui, que escrevo, sinto, antevejo:
Fim.
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