quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Na Ferragem


Alguém está entrando numa dessas lojas de material de construção, que vende equipamentos elétricos. Uma ferragem. Entra e sabe que aquele é um lugar tipicamente masculino, como tantos outros que precisa enfrentar na vida. E sempre que entra ali – já sabe - aquilo sempre acontece: o seu índice de masculinidade aumenta consideravelmente. Deve ser algum mecanismo de defesa, talvez uma reação para impedir que os outros não se imponham na base da força física, a brutalidade que tanto lhe oprime. Precisa discutir isso com o terapeuta, quer dizer se voltar lá no terapeuta.

Agora, ali, na ferragem. Em busca de um simples combinado de fios e tomadas para uma instalação elétrica que precisa ser feita em sua casa. Um problema prático que precisa solução, afinal o eletricista pediu para comprar o material, e agora está ali. Na dúvida. Diante do balcão, esperando o atendente. A ficha de espera em sua mão recebe o suor frio. Dá uma última olhada para si. Escolheu a roupa mais dura que tinham em casa para vir até a ferragem.

O atendente. De longe viu sua chegada pela porta de entrada da loja. Esse atendente é calejado no ramo, há anos na profissão conhece as mais íngremes sutilezas humanas. Sim, conhece os clientes até pelo olhar, assim que surgem à sua frente, no balcão. Sabe, também, que mais cedo ou mais tarde algum tipo de pergunta idiota eles irão fazer. Sempre fazem. É praxe. Ainda mais a pessoa que acabou de entrar na loja. Haja paciência nessas horas. Esforça-se para ser gentil ao perguntar:

- O que vai ser?

Pronto. O atendente já veio com cinco pedras na mão. Desestabilizou tudo, o esquema de atuação que tinha montado para aquela compra na loja de equipamentos. Então, ao começar a explicação sobre o material elétrico de que precisa, comete um erro: confunde “tomada” com “interruptor”. A pequena falha é percebida pelo atendente que, sorriso irônico no rosto cerrado, trata de corrigir a pequena gafe. O índice de masculinidade desce vertiginosamente. Brota a insegurança, e de repente o atendente cresce em tamanho, o peito peludo fica mais peludo, o jaleco aberto mais aberto, a voz dele é rouca (pensa que a sua voz também está ficando rouca, o seu jeito peludo, e essa roupa que vestiu?). A voz prossegue:

- A senhora entendeu tudo direitinho, madame? Qualquer coisa, a senhora pode pedir ajuda para o seu marido.

O frio correndo na barriga, subindo. Como explicar que não tem marido? Que o marido nunca soube o que era um interruptor, que tinha pânico de eletricidade? E mais: que ele foi embora e não volta mais (mas também quem não iria, minha senhora, será que ele pensou isso?).

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