quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Balanço


O balanço das crianças lá fora. Há duas horas observo, aqui sentado, a brincadeira delas. Seus movimentos transmitem a mim a paz que só agora encontrei. Observar. Venho às festas infantis e realmente vejo as crianças, a pureza e espontaneidade de seus atos. Como soam chatos e previsíveis os adultos nas suas estratégias infantis de dissimulação. O balanço dos adultos é outro.

Um dia eu brinquei ali e acabei me machucando em coisas que pareciam macias inicialmente, depois, tinham a forma verbal de um arranhão, de um tombo de bicicleta. Sensação de que as coisas ao meu redor se perdiam em gestos e palavras desprovidos de sentido. Incrível como são os adultos fora do seu habitat natural. Chegava àquelas reuniões como acompanhante de criança em festa infantil e logo me entediava. Brincar, isto não era possível: é proibido aos adultos se divertirem muito. Atrapalham. Havia apenas uma maneira de não acontecer isso. Era parado. Feito brinquedo abandonado. Numa festa de criança, o comportamento social mais aceito é a parvalhice. O sujeito se fazer de tonto. Entupir-se com doces, salgados e refrigerantes, e depois ficar abobalhado num canto. Você só não pode brincar. Aquilo deixa qualquer um tonto. Os adultos são péssimos nesse brinquedo. Escolhem sempre a hora errada.

Como disse – muito ali me machuquei. Apanhava uma taça de cerveja e ficava remexendo o líquido na borda, estudando seu balanço. Era móvel esse balançar, transparente, sedoso e por demais perigoso; mas será que ninguém aqui vê a quantidade de perigo existente numa festa infantil? Digo tudo isso mas não estranhem; sempre fico tonto e falo demais nessas horas. A distância entre a cerveja e o tombo é pequena. E se associo copos a balanço é porque preciso ser impertinente nesse particular. Jamais bebi aqueles olhos – tinha muita atenção no que fazia – e se caí do balanço não foi por estar embriagado pelo enlevo dourado da cerveja. Eu sonhava naquelas festas. Ser criança é sonhar, saber cair – lição que os adultos não aprendem – os adultos não sonham. Aprendem a controlar a dor que vem da queda.

Agora mesmo um caiu, levantou. Só bateu as mãos nas calças, fungou o nariz e se foi, voou correndo em busca de seu mundo colorido de travessuras.

Aqui também, ao meu lado, um outro caiu; segue o balanço do copo que está sentado do outro lado da mesa – doce abismo no empapado das falas. Devo por acaso avisá-lo do perigo? Da maciez que esconde escarpas? Não, eu sou o acompanhante, vim aqui só para cuidar de criança. Realmente não é o caso; ele precisa saber que o perigo mora naquele balanço. Aprender sozinho, caindo, feito bovino, babando, depois levanta, passa remédio, arde um pouco, demora mas cicatriza; está pronto. Esse é mais um que voa pelo mundo afora em busca de um balanço.

4 ComentÁrios:

Blogger Rogério B. Alves said...

Valeu, Ed! Belo balanço entre o passado e o presente.

quinta-feira, 30 novembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Dêga, infatilmente bela! Que meus outros companheiros, teus leitores, não me apedrejem: prefiro teus textos "leves" (que deveria ser produzidos em maior quantidade) aos "amargos" (não, quero que não os escreva). Mas... lembro do Vini, não o da Coflob, mas o de Moraes: "é melhor ser alegre do que ser triste/alegria é melhor coisa que exite"...

sábado, 02 dezembro, 2006  
Blogger Guto Melo said...

Obrigado pelas palavras carinhosas. Também estarei sempre passeando por aqui.

domingo, 03 dezembro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Excelente.Teu texto delicadamente convida a não esquecer a criança interior sob pena de nos afogarmos nos copos que fazem as vezes de balanço
Raquel

quarta-feira, 13 dezembro, 2006  

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