terça-feira, 28 de novembro de 2006

Dedos

O esforço é para sentir novamente os dedos. Como se estivesse perdendo aos poucos algo muito familiar, sentimento que se esvai. Estão desgrudados, os dedos, um tanto alheios e insensíveis a tudo que acontece ao seu redor – mesmo que sejam só palavras, sensações que se perdem... Coisas perdidas. Dizem que cada vez mais sentimos menos o corpo, que vamos perdendo sensibilidades, a exatidão dos movimentos, dos sentidos, dos eventos palpáveis. Aos dezessete anos, contudo, a velocidade é outra: tudo vai no impulso e na vontade, desejos que precisam ser atendidos, jorrados à flor da pele, volúpia de um encontro mítico. O primeiro.

Esse homem, a propósito, não tem dezessete anos. Tampouco dezoito, nem catorze, muito menos a inocência dos doze. Já viveu muito, e ao longo desses anos foram tantos os eventos emocionais que agora ele não consegue compreender por que os dedos falham. Falta-lhe o tato. Deve ser isto: nunca desenvolveu o sentido do tato, de modo que todas as choses dites estão agora longe na memória: são eventos perdidos: pedras que rolaram. Exatamente como seus dedos, cuja sensibilidade vai indo embora. Num telefonema, numa página deixada na velha máquina de escrever, algo consumindo seu íntimo, vísceras em caneta e papel. Pouco importa – se tudo vibra e os dedos não respondem – pouco importa. O ruído prossegue.

Seu esforço, então, é para compreender por que motivo os dedos perdem força. Quanto mais escreve ou fala, quanto mais prolonga essa tentativa infundada e absurda de se comunicar, tanto mais fica sendo sua incapacidade de se fazer entender. Então seu corpo treme, o assunto retorna: o tema do amor não compreendido, velho conhecido seu. Então esse homem pensa que deve ser alguma incapacidade adquirida. Desuso, falta de prática, anos e anos centrado numa única idéia e concepção lhe deixou assim: pesado. Um rinoceronte nas coisas do coração. Não sabe mais caminhar sem fazer alarde, o toque virou um coice, suas mãos são como patas e elas fazem barulho.

Pedra bruta, cacos de vidro, madeira rachada, dente arrancado, ferida exposta, dor que não cessa. Seus dedos são duas insensibilidades que ele agora não consegue dirigir. Quanto mais pensa nessa precipitada inatividade dos dedos, mais conclui sobre a necessidade de rever seus sentidos, guardados, feito rocha, pedra, entulho.

Nervoso, esse homem pára. Silencia. Definitivamente, ele não sente mais os dedos, ainda que seu epicentro nervoso insista em pulsar normalmente, enviando estímulos para ambos os hemisférios do corpo, sinais claros de que ele está em busca de algo. Ficam os dedos – e eles não comunicam mais. Antes vibrantes, vivos, desenhando linhas, carícias, palavras e composições, anotando frases redondas e sentimentos rudes, criando, enfim, em sua cabeça, um romance envolvente, os dedos desse homem insistem em desatender ao chamado; então eles param. Voam como sensibilidades adejantes, apanham o mundo, levam consigo. Depois ficam imóveis, alheios, ignoram os impulsos desse coração que continua batendo, eles não voam mais. São como lascas. Minerais removíveis. Objetos que ponteiam seu corpo, depois entram, bicam por dentro, consomem, desnudam, vão embora, aqui jaz.

O esforço é para sentir o que nunca foi seu.

1 ComentÁrios:

Blogger Guto Melo said...

Esses são dedos vesgos, em caminhos pontilhados

sábado, 02 dezembro, 2006  

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