As cores do grão-de-bico
CRÔNICAS PARA MEU FILHO
Há uma luz. E ela está acima de nós. Na pia, este lugar onde agora, de pé, encontro-me ao lado de meu filho a fazer o prato mais colorido que conheço.
Grão-de-bico.
Grão-de-bico.
Outras cores preenchem esta cozinha. Vem das paredes, da
confusa gaveta de utilidades, na travessa que servirá o alimento
desta noite, os ingredientes, nossas roupas, braços, estampas, esta
diferença na cor de nossos olhos, cabelos, no tom da nossa voz, a
música que aqui chega, ao fundo, esta luz que entra fragmentada pela
janela da cozinha, e são oito horas da noite e o nosso prato está
quase pronto.
Foi um trabalho e nem tanto, a quatros mãos, a
adicionarem em vasilha o pacote de grão-de-bico e a parafernália de
temperos mais uma dúzia de ingredientes (vai tomate, vai atum, vai
cenoura, vai cebola, vai pimentão, sal, azeite de oliva a gosto...).
Há um sorriso em nossos rostos.
Será que estamos aparentemente felizes?
Por que e como sabemos felizes?
Porque o prato levanta voo da pia, caminha pelo espaço
imaginário de uma entrega, e guiado por nossas hábeis mãos ele
chega à mesa da sala de jantar.
Há outra luz. E ela está acima de nós, nesta grande
mesa em que nos aproximamos, talvez seja efeito do conjunto exagerado
de lâmpadas, talvez venha dos céus, da rua, pois o vento lá fora
traz tantas outras informações que eu me perderia se saísse agora,
mas não, porque aqui dentro há outras motivações, a música
caminha pelas paredes da casa, nos envolve mas não ensurdece, e
ainda há a palavra a ser dita, a dizer, o convite, este feito no
exato momento em que aterrizamos o prato na bancada da mesa e
anunciarmos, para ela, o jantar de hoje.
Grão-de-bico.
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