Fim de semana sem fim
Para Kika
Nunca gostei de quebrar ossos. Muito menos aos 80 anos. Esta foi a
primeira vez que eu quebro um osso – e tinha que começar assim: do
que jeito que eu não gosto: dependendo de todo mundo. Viver sozinho
tem dessas desvantagens.
A parte boa de tudo? Lembro do atendimento de urgência, a chegada
das enfermeiras, o passo-a-passo dos fisioterapeutas, a condição
humilhante de prioritário, os dias internados sem visita, depois o
acompanhamento em casa, mandaram até uma assistente social.
Perguntas, inquéritos, recomendações. Essas pessoas todas entrando
e saindo do meu minúsculo apartamento. Sempre alguém batia no meu
ombro e perguntava: Pô, Vovô, não tem luz aqui nesse buraco?
Todos os dias aquelas pessoas me dando ordem, receitando algo,
mexendo em pratos, panelas, geladeira, eu não tinha mais governo
sobre a minha vida, sobre a minha casa. Os únicos que nunca
apareceram por aqui foram os médicos; esses era preciso correr
atrás. Consulta rápida. Sistema Único de Saúde. Muitos pacientes
nos corredores. Calma, meu senhor, tem que esperar na fila. Os
médicos alegando compromissos, pressa, correria; nunca conseguia ser
atendido no tempo esperado, cirurgia, exames; nem podia explicar onde
doía, bacia, perna, cabeça. Sobrava tempo. Antes, durante, depois.
Ficava perambulando pelo hospital. Cadeira de rodas. Pra cá, pra lá.
Eu tinha muito no que pensar, tempo morto, e o tempo por vezes passa
a ser o senhor das horas vagas.
Agora estou aqui sentado no meio deste final de semana. Nesta sala,
nesta poltrona, diante da tevê desligada. Nunca vem ninguém aqui
nos finais de semana (o Posto de Saúde disse que não). Daí o tempo
não passa, nem uma pessoa, palavra, reclamação; já nem consigo
mais olhar as horas. Até o relógio da parede, tão imponente
outrora vivo, agora quebrado, aquele órgão pendurado na parede, me
parece inútil, porque eu não consigo dar corda e não estou
esperando ninguém. O meu tempo se foi.
Nunca gostei de quebrar ossos. Agora eu sei.
Setembro
de 2018.
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