24 Horas
Na recepção do
hotel em que a instituição supostamente me colocou num quarto, tenho a notícia
e – vejo – ela não é boa:
– Não há reserva em seu nome, me diz
o repetitivo sujeito da recepção.
Olho o pulso: meia-noite.
Penso no paradoxo da situação, neste lugar onde estou – e sem hotel. Brasília, Distrito Federal, capital do absurdo
nacional, setor letra tal, quadra número não sei, lote a ser localizado e me
pergunto: onde encontro um hotel neste emaranhado de letra, siglas e números?
Há sempre o perigo de você cair ao lado do quarto de alguém inimigo público
número um envolvido em corrupção. Aqui é Brasília, e aqui não se brinca.
Começavam ali as horas da minha
procura. Ainda na recepção, esperei a distração do atendente e, sorrateiro, deixei
a minha mala numa sala lateral e saí correndo. Corrido. Eu queria encontrar
logo uma casa de repouso, pousada, estalagem, qualquer algum lugar, tipo de
acolhimento, conversa íntima, uisquizinho 12 anos. Tive que caminhar muito –
era Brasília, esta bizarria nacional – e é óbvio que andei pelos círculos imaginários
de Niemeyer – a cidade não foi feita para pessoas – e me perdi profundamente.
Foi a luz vermelha lá adiante que me
salvou.
A porta. O silêncio vinha de dentro.
Bati. Demoraram a atender. Finalmente um indivíduo pesado e sonolento abriu para
mim meia porta. Perguntei sobre a placa acessa 24 HORAS que havia na frente e
pedi pouso. O sujeito ficou me observando um longo tempo, e, na maior lentidão,
olhou para os lados e então me perguntou pelo carro, o pneu, e finalmente
rosnou meio abafado: “Qual é o problema do cidadão?”, e ato contínuo foi empurrando
a porta para fechar. Interrompi como pude – eu estava mesmo imprestável:
– Tem quarto vago?
Com o peso de seu braço forte, o
sujeito abriu a pesada porta; dentro a penumbra de um grande quarto-conjugado, sei
lá, foi me dando passagem e mostrou o grande sofá-cama vermelho-amotinado que
ocupava inteiro uma parede lateral decadente – e foi assim que dormi quase um
dia inteiro numa borracharia de alguma cidade satélite.
Novembro de 2018
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