Treino fônico
A invenção das palavras. Estas que
estou a pensar enquanto caminho em direção à sede de minha academia. Não, não
sou a proprietária, apenas mais uma aluna em busca da forma física perfeita.
Meu ramo de atividade é outro e me obriga; ninguém na sala de musculação seria
capaz de entender o que faço. E o que exatamente eu faço da vida? Cedo para
dizer. Do meu sonho, sim, posso falar: cantora lírica. Por isso sigo nos
exercícios vocais, fico repetindo letras, palavras, sons; associando ideias, formando
palavras, pronunciando em voz alta (mesmo que esteja na rua); o som, esta
conversa comigo mesma, sim, agradável dizer uma palavra qualquer. Por exemplo:
Treinofônico.
Tal ideia, pensamento, me veio outro
dia em plena aula, no grande salão, em meio a supinos e resguardo de forças,
não é bom exagerar antes do fim do dia: o cansaço pode me custar caro. A ideia
tive durante os exercícios com o meu personal
trainer. Estávamos naquela socialização típica das academias, onde a
trivialidade dos assuntos deixa todos cheios de palavras, comentários,
anotações inúteis. Seis meses, o pacote quase fechando, hora de renovar, e ele,
o professor, ainda tentando saber o que eu faço na vida. Por que o interesse?
Curiosidade ou mera rotina formal daquela profissão em que muitas vezes
interessa mais as páginas sociais da vida do que a correção do exercício? Esses
sujeitos precisam ter assunto sempre e a todo custo?
Odeio “ter assunto”. No meu trabalho
prefiro fazer as coisas do meu jeito: em absoluto silêncio. Afinal, qual a
necessidade de palavras na minha atividade, se os homens nem escutam mesmo? O
que eles querem são gemidos – e isso não é nenhum tipo de qualidade lírica. O
meu sonho morre no suor daquele espaço entre quatro paredes, hotéis escolhidos
ora pelo preço, ora pela localização, e o que interessa para o cliente mesmo são
os movimentos repetitivos – nem sempre precisam ser criativos – e ali os corpos
não se falam. Ninguém me paga para falar. No Liberdade, não há liberdade para
esses devaneios narrativos. O animal dos
motéis não me permite.
Na academia é diferente: lá posso
falar sobre o último corte de meu cabelo, sobre as promoções da liquidação no shopping e até sobre os pequenos dramas
renais de minha cachorrinha, Lory Lamby.
Lá o treino é sempre fônico, e é
preciso ter criatividade para não se dizer quem é.
Janeiro de 2019.
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