terça-feira, 28 de setembro de 2010

Morri, segunda-feira

para Samir

Estabelecido na cama, na cama ali ele ficou.
O resto da segunda-feira.
E o resto da segunda feira o seu corpo cheirando a coberta.
Balança de peixaria. Corrimão de escola. Porta da Assistência Social. Cheiros, memórias de um tempo perdido, indiferença.
Sua vida.
A acreditar, agora ali, as tantas e quantas vezes em que se imaginou naquela situação, inabalável, intocável, a rua lá fora, ele ali dentro a não levantar mais.
E mais: um chute no mundo.
Outro no chefe no emprego na falsa loira e na loucura de certas leituras
Linhas tortas, escritas, vividas.
Gente estranha.
Kafka. Mário Peixoto. John Fante. Bolaño.
Lia muito.
E agora nenhum um livro lhe estaria próximo, ou caído ao lado da cama, ou em qualquer lugar que seja ou esteja.
Esteve.
Voltou: era febre e não era.
Era ele: nada, nenhum
Apenas um.
Apenas cobertas.
E uma latente vontade de matar o resto da segunda-feira já morta.
Pode ser esta a demanda de um sujeito brigando com as cobertas.
Com o mundo.
Numa segunda-feira.
Morta.
Os dois mortos.

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