segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O destino mata por etapas


Dá trabalho ter mais de uma mulher – os seiscentos reais de salário e a jornada de nove horas o diziam; percorrer uma casa a cada noite, também. Sopas, comida nova (mais raro) ou requentada (mais frequente), jantares na esquina, no Tonho’s Bar, sanduíches rápidos e toda sorte de improviso faziam de seu estômago o mais judiado de toda construção civil de São Paulo. Magro, sua energia era pouca, poucas horas livres, as solicitações muitas, e por isso Juvenal vivia a sorte e o lastro dos relâmpagos que antecedem a tempestade dos grandes amores: quatro amantes pareciam pouco quando ele encontrou a quinta. Como conseguia administrar tantos lençóis e despedidas era a pergunta que se faziam os seus colegas de obra. Sozinho no empreendimento, esquivo nas perguntas, muito mais econômico ainda nas respostas, todas as noites ele se dirigia a um código de endereçamento postal diferente. Era visto em casas diferentes de cores incomuns, isso tudo em ruas distantes, longe dos olhos alheiros, mas rodeando o perigo, pois sempre no mesmo bairro, na mesma cidade, na mesma loucura.
Lucinda, a quinta amante de Juvenal, sempre acreditou ser a primeira (e única), até o dia em que descobriu que não era a única (nem a primeira). Descobriu e decidiu, mas não contou para ninguém (nem podia). Esperou a quinta-feira, o seu dia.
No outro dia – e no restante daquela e da outra semana – cada uma das residências das amantes amanheceu cultivada em seu jardim com pedaços de Juvenal. Foram a insistência dos cães, esses farejadores da miséria humana, que denunciou o silêncio de tal barbárie.
Os calmantes não foram encontrados nas gavetas dos armários de Lucinda, mas as marretadas no corpo e o terror dos vizinhos ainda eram sentidos e bem visíveis por longos dias. E pelo mesmo tempo os ásperos comentários dos colegas de Juvenal, a se perguntarem, afinal, que raio de tanta sorte Deus destina a um homem só?
Agora eram cinco, por etapas, os pedaços desse homem.
Desse destino.

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