quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O farta-brutos


Estrada.
Cento e cinquenta quilômetros para frente, duzentos estão ficando para trás.
Um ponto, um lugar no meio da extensa paisagem. A única parada para abastecimento entre aqueles tantos quilômetros de pura estrada e solidão. Naquele ponto, na exatidão daquele descampado, há um lugar que poderia ser chamado de "posto de abastecimento"; ao lado, em diagonal, uma pequena taberna abastece os viajantes; dentro, na escuridão do pouco movimento dos corpos, garrafas vazias se movem soltas em mesas de pouco equilíbrio movidas, aqui e ali, por mãos inexatas, lerdas, lassidão que reflete não só a disposição interna dos clientes, os caminhoneiros, mas como se estivesse a bater, as garrafas, a rir, os presentes, a quietar, depois, agora, quando entra o estranho.
E é preciso que sejam eles, os caminhoneiros, e que estejam reunidos ao redor de mesas também sujas, urgentes de arrumação, nuas por uma toalha, por limpeza, esta peça quadrada e surrada pelo tempo que vem a ser o depósito de copos e silenciosas confissões, mais aquietadas ainda agora que um sujeito da cidade entrou pelo marco principal da porta... E tudo isso acontece muito rápido nessa tarde que vai longe, se arrasta na monotonia das horas, aqui perdidas na lentidão dos poucos raios de sol que caem no horizonte.
Ele entra no bar que na porta tem a placa

FARTA-BRUTOS

Na porta, a estranheza com a placa – esta mesma que este homem agora há pouco cruzou. Ele, que aqui é o outro, o novato, o desbravador na poeira desses rincões, ele, o recém-chegado, foi chegando um tanto invocado, outro tanto excitado com a pergunta feita, chegado e logo implicando com o hífen da placa, foi dizendo que estaria errada, era sem hífen, e então chamou garçom, chamou a gerência (como se houvesse gerência... alguém comentou) mas ninguém lhe deus ouvidos; foi só a aridez dos olhares que se viu, de onde ele estava, do ponto de vista de quem está entrando na caverna dos carreteiros, no confessionário dos rodados, logo ele, alguém vestido em roupas limpas e perfumes caros, que lá fora deixou um automóvel sólido, máquina rígida, ali fora ficou estacionada. E foi a frequência dos contatos, sinal, combinação, que fez os clientes olharam fixo para ele, se calhar imprecisos em suas intenções, soltas, uma erguida de olhos, a falsa surpresa de quem vê carne fresca no seu quintal. Sim, eles, os brutos.

Exterior, do lado de fora.
Em silêncio, alguém empurra em direção a um velho galpão um automóvel desligado. Aparentemente o galpão está abandonado, mas não o carro, que brilha na quilometragem nova e na calada deste fim de dia. Empurra mas conta com a ajuda de outros dois, cúmplices nessa tarefa de esconder de olhos alheios o valioso bem recém-agregado; mas esta não é a única substância de valor de que farão uso.
Barulho de rodas mastigando a terra, lentas, as marcas deixam no chão a trilha que separa o antigo dono e aproxima do velho galpão, o esconderijo que fica ao lado da casa de bebidas. Naquele bar ali ao lado foi onde instantes antes um homem estranho ingressou no mansidão de um território que escondia intenções, um mundo dominado por copos nem tão alegres e por olhares minerais. O mesmo visitante que neste instante encontra-se perto dali, retido como está atrás do galpão, mas não vai sozinho, porque outros dois estão a lhe fazer companhia, um segura o outro... E ele suspira, tem o olhar assustado, pressente, compreende enfim o devido lugar de sua arrogância.
Ele, o farta-brutos.

0 ComentÁrios:

Postar um comentário

<< Home