quarta-feira, 27 de maio de 2015

O cirurgião

 Tamanha era a potência e o ronco do motor do carro que estacionara na frente deste pequeno mercado de bairro, que eu nem reparei no pedido Uma água mineral, por gentileza feito pelo homem de boa aparência que, perdido, encostara por ali.
Era o cirurgião.
Ainda hoje lembro o erro e também o quanto eu deveria ter prestado mais atenção nas palavras daquele homem de voz mansa, de gestos lentos e de cheiro agradável; foi minha esposa quem o atendeu.
A mesma esposa que semanas depois ele carregou embora com a promessa de cirurgias e demais melhorias.
Nunca mais ela voltou.
Até ontem.
Sim, porque agora os dois estão de volta ao lar; estão aqui neste mesmo mercadinho pé-sujo, como ela mesmo tachou o meu negócio no dia em que foi embora, atrás que ela foi das promessas do cirurgião plástico. Estão bem enrolados os dois, juntinhos, acondicionados em partes iguais, simétricas, fatiados que estão dentro de sacos plásticos de supermercado – que ironia – lá embaixo, trancados sob grosso cadeado, mergulhados no gelo eterno do congelador do depósito de mercadorias.
São belos e perfeitos aqueles cortes.

Coisa de cirurgião.

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