sexta-feira, 3 de julho de 2015

O espelho do bar da esquina

 Há dois grandes espelhos na barbearia em que hoje à tarde me contaram esta história. Agora conto – e se conto é porque ouvi – e não porque houve.
Nem vi.
O que vi foram espelhos – e o sujeito. Eram dois, os espelhos. Refletidos eram seis, sete, talvez oito ou uma infinidades de reflexos. E neles, os atendentes, também chamados barbeiros. José, Pedro, Luciano, Seu Armando e uma garota chama Luana. Os nomes eu por vezes gravo, noutras esqueço (a maioria), mas hoje à tarde era-me impossível esquecer de certas coisas que eles me contaram.
Que ouvi.
A história daquele ramalhete de flores, vistoso, que vi já na entrada da barbearia; estava ali como um aviso, como um símbolo de amor de alguém que estava sendo amado naquele recinto. Era Luana. Ela sabia. Todos sabiam. Estava no sorriso de um outro atendente; no sarcasmo do líder, do principal, talvez o dono ou gerente, e era ele que me contava a seguinte história:
Que hoje pela manhã, ainda cedo-cedinho, Luana atendera um cliente e por um caso, bem por acaso, a garota resolveu elogiar os olhos do sujeito que ela cortava o cabelo. Foi o que bastou, segundo o relato que agora reconto, para que horas depois, ao início da tarde ele retornasse com o arranjo de flores, declarasse o seu amor, e agora estava ali, no canto, mas na entrada, como troféu ou exibição, aquele ramalhete estonteante de flores. E se digo estonteante é porque eram assim os passos de Luana dentro do estabelecimento, a toda hora olhando para a rua, pela grande porta de vidro. Da mesma forma que todos, ali, acompanhavam seus passos, sua angústia, o erro, reconhecido por ela, contado por eles, de que era uma mulher comprometida e agora aquele sujeito lá parado, sentado no bar da esquina, feito fera, espiando pelo canto do olho, e, sim, esperando Luana largar do trabalho.

Luana está visivelmente angustiada; talvez apavorada, tensa.

Nem um pouco menos do que eu, a pensar, que quando sair desta barbearia, onde me encontro, onde nenhuma história me foi contada, onde eu ouvi o que quis ouvir, e olhei do jeito que quis olhar, com olhos de desejo com que olhei para Luana, eu agora também estou tenso, mas não apavorado, apenas aguardando o momento de sair daqui encarar de frente aquele sujeito que nos olha do espelho do bar da esquina.

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