O espelho do bar da esquina
Há dois grandes espelhos na
barbearia em que hoje à tarde me contaram esta história. Agora
conto – e se conto é porque ouvi – e não porque houve.
Nem vi.
O que vi foram espelhos – e o
sujeito. Eram dois, os espelhos. Refletidos eram seis, sete, talvez
oito ou uma infinidades de reflexos. E neles, os atendentes, também
chamados barbeiros. José, Pedro, Luciano, Seu Armando e uma garota
chama Luana. Os nomes eu por vezes gravo, noutras esqueço (a
maioria), mas hoje à tarde era-me impossível esquecer de certas
coisas que eles me contaram.
Que ouvi.
A história daquele ramalhete de
flores, vistoso, que vi já na entrada da barbearia; estava ali como
um aviso, como um símbolo de amor de alguém que estava sendo amado
naquele recinto. Era Luana. Ela sabia. Todos sabiam. Estava no
sorriso de um outro atendente; no sarcasmo do líder, do principal,
talvez o dono ou gerente, e era ele que me contava a seguinte
história:
Que hoje pela manhã, ainda
cedo-cedinho, Luana atendera um cliente e por um caso, bem por acaso,
a garota resolveu elogiar os olhos do sujeito que ela cortava o
cabelo. Foi o que bastou, segundo o relato que agora reconto, para
que horas depois, ao início da tarde ele retornasse com o arranjo de
flores, declarasse o seu amor, e agora estava ali, no canto, mas na
entrada, como troféu ou exibição, aquele ramalhete estonteante de
flores. E se digo estonteante é porque eram assim os passos de Luana
dentro do estabelecimento, a toda hora olhando para a rua, pela
grande porta de vidro. Da mesma forma que todos, ali, acompanhavam
seus passos, sua angústia, o erro, reconhecido por ela, contado por
eles, de que era uma mulher comprometida e agora aquele sujeito lá
parado, sentado no bar da esquina, feito fera, espiando pelo canto do olho, e, sim, esperando
Luana largar do trabalho.
Luana está visivelmente angustiada;
talvez apavorada, tensa.
Nem um pouco menos do que eu, a
pensar, que quando sair desta barbearia, onde me encontro, onde
nenhuma história me foi contada, onde eu ouvi o que quis ouvir, e
olhei do jeito que quis olhar, com olhos de desejo com que olhei para
Luana, eu agora também estou tenso, mas não apavorado, apenas
aguardando o momento de sair daqui encarar de frente aquele sujeito
que nos olha do espelho do bar da esquina.
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