segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Federal

Todos os dias, sem muito pensar, ele embarcava no ônibus da linha metropolitana que atendia as quatro cidades grudadas na capital – e sentava no mesmo lugar. Escolhido, nesses todos dias, por um único critério e ponto de vista. Afinal, era preciso invariavelmente ficar no ponto estratégico daquele coletivo. O único lugar, aliás, em que sabido ele poderia observar todo o movimento. E toda ação. Dele, o cobrador. Que ao longo do trajeto de hora e meia – paradoxo – era a única pessoa que não tinha lugar certo nem definido. Nos intermunicipais daquela época o trocador cobrava a passagem de pé. Circulava pelo corredor. Pastinha presa debaixo do braço, ali as notas, ali os bilhetes. As passagens eram cobradas a partir do fundo do carro, da condução, pelo longo caminho, tortuoso, espaço apertado por entre o bate-e-encosta junto aos passageiros (repito, de todos que restavam de pé). Os coletivos viviam lotados. Cobrava do fundo para a frente do ônibus, num vai e vem que se consumia pela tentativa de fazer duas coisas ao mesmo tempo: cobrar a passagem e avançar com o veículo em movimento. Balanço. Calor demasiado humano. Inclinação. Frenagem. Novo malabarismo. Cheiro de óleo, de freio, suor, alguma incompreensão. E os solavancos do motorista lá na frente faziam das notas e das pequenas moedas objetos de alto risco monetário; media-se o bom cobrador pela habilidade de nunca deixar nada cair no chão. Nem os bilhetes! Principalmente os bilhetes. A magia dos tíquetes. Presos em talonário fixo à pastinha de braço. Objeto grudado ao seu corpo. De onde se retiravam as passagens. A diferença dos trajetos inscritos nas cores dos comprovantes cuja entrega deveria ser feito pelo passageiro na saída, para o motorista, fiscal, escambau; e essa diferença nas cores definia também os preços de acordo com a distância do trajeto pago, percorrido, ali, muitos de pé mesmo. E eram exatamente as cores dos bilhetes que mais fascinavam o passageiro daquela agonia: a de conferir cores e trajetos, escolhas e pagamentos, as mesmas pessoas, a mesma bilhetagem. Ele sempre escolhia uma cor diferente, um trajeto adverso, um local de descida ao longo da BR-116, a Federal. Até o dia em que trocaram o rapaz que cobrava, surgiu ela, mãos em riste, unha, batom, a primeira cobradora da empresa de ônibus, e no embaraço daquela viagem de contrariedade, aconteceu de ele pedir o ticket de uma cor e descer na outra, e na atrapalhação do pedido/descida, ele fez menção de desembarcar no ponto errado, o motorista não gostou, o fiscal viajava junto, e ele nunca mais pode entrar no ônibus da linha Federal.

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